quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Lembranças do Natal


Tudo começou em razão da encomenda da leitoa.
Vigilância sanitária, vida moderna, sociedade de proteção aos animais e com isso os criadores de leitoa estão se distanciando cada vez mais dos centros urbanos.
Por volta dos anos 70 e 80, ainda era costumes nas vilas, lá pelo mês de setembro, comprar um capadinho e por para engordar no fundo do quintal.
O leitão, geralmente das raças Piau(oreia de cuié) ou nilo, ganhava até apelido da molecada, que também ficava encarregada de levar o trato no chiqueiro.
Água no cocho, pelo menos duas espigas de milho na manhã e no período da tarde, a lavagem que era os restinhos de comida, da casa e da vizinhança. Antes de servir, juntava meia lata (das de margarina) de sal grosso, misturava bem e tava feito o banquete.
O índice de crescimento do porquinho era mensurado pelo brilho do lombo e pelas poupas do pernil. Vez em quando, uma pegada pela pata traseira do bicho sustentava o animal no braço, fazendo às vezes de balança. Seguia o diagnóstico: ...hum, lá para o dia 20 de dezembro deve estar com uns dez a doze quilos.
Não podia passar disso, senão o toucinho tomava conta da carne e o assado ficava indigesto. E tome boldo.
Olho na folhinha e, dia 22 ou 23, era a data prevista para a matança. Uns trocados na mão da garotada para buscar um doce no bar da esquina ou um carretel de linha na venda e assim que as condições estivessem favoráveis, uma punhalada certeira em direção ao coração do bichinho encerrava a boa vida do leitão, prestes a se tornar o astro principal da ceia.
Ditado popular diz que matar leitão ou galinha caipira perto de quem tem dó, não vinga. O bicho fica agonizando e isso não é bom, então o melhor é afastar estas pessoas ou fazer o serviço escondido, bem de manhãzinha, antes do povo acordar.
Quando a molecada voltava com a encomenda, a choradeira era geral, a ponto de surgir promessas de que “desta carne eu não comerei”.
Mas a gente já sabia que as coisas iam ficar preta pro lado do leitão no dia seguinte, sabia sim. Um feixe de lenha seca, juntado previamente num canto da área,as palhas secas de milho, para escovar o lombo e tirar o restante dos pelos e da pele, a lata de vinte litros, lavada e emborcada na ponta da balaústre, bem próximo do local onde costumeiramente se fazia o fogão de chão para ferver a roupa. Mais sinais era impossível.
E na ceia do Natal, lá estava o leitão com aqueles olhos tristes, com bronzeado forte, cheio de rodelas de abacaxi em volta e com a bendita maça na boca.
Vamos e venhamos, leitão assado é bom demais, mas sem aquele olhar piedoso e sem a tal maçã na boca.
Mas voltando ao assunto da foto, ontem fui buscar minha encomenda de leitoa no sítio. E foi lá eu me deparei com esta construção, uma casa de taipa. Segundo o dono, tem mais de 100 anos de existência.
Serviu de morada para a antiga proprietária do sítio, nascida ali, onde viveu até os 84 anos.
Era privilégio de poucos ter uma residência como esta.
As colunas principais são lavradas no machado, em madeira bruta, depois assentadas no terreno, servindo de colunas e marcadores dos futuros cômodos. Em seguida vem as travessas horizontais que vão sustentar a trama para receber o reboque.
As travessas são feitas com lascas de coqueiros e amarradas com arame, uma bem próxima da outra. O barro vermelho é amassado com capim seco, para dar liga e criar uma trama natural; há quem diga que se misturava esterco seco de gado também.
Pronta a massa, vai se jogando aos montes sobre a esteira e alisando com a mão, dos dois lados, tal jeito que a massa se integre e forme uma parede da melhor qualidade. Uma caiação dava o acabamento e, segundo a crença, evitava também que o bicho barbeiro se alojasse nas pequenas frestas.
Casa pra vida toda dizia os antigos. E não é que estavam certos!

Ivan Evangelista Jr
Membro da Comissão de Registros e do Fotoclube de Marília

Um comentário:

  1. Pois sim Ivan, comer leitoa no natal e casa de taipa são duas coisas nostálgicas, mas que nos fazem muito bem...
    beijos...

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