sábado, 18 de dezembro de 2010

Olha o padeiro !


Ele sempre passava duas vezes por dia, pela manhã e lá pelas três da tarde, hora tradicional do café no interior, com sol ou com chuva. O som compassado das ferraduras batendo nos paralelepípedos denunciava de longe a sua chegada e as donas de casa, já davam aquela ajeitada nos cabelos, enrolados com bobs, outra ajeitada no avental feito de saco alvejado e corriam para frente da casa.
A cachorrada presa enlouquecia de não poder acompanhar os vira-latas que insistiam em atormentar a égua que puxava a carroça, e tinha ainda aquela buzina diferente, um canudo de metal com uma bisnaga de borracha na ponta, marca registrada do padeiro.
O João padeiro, conhecido de todos e de todas, fazia mais do que entregar os pães. Ele era também o sistema de comunicação mais eficiente que existia na época. Filho com sarampo, criança com caxumba, mulher brigada com marido, sogra doente ou gente com dor de dente, era com ele mesmo, dava conta até das notícias sobre as gestantes e das puladas de cerca dos maridos.
Também pudera, todo santo dia fazia o mesmo trajeto. Entregava pão d’água, broa e pão doce, com aquela cobertura de creme bem amarelinho e, enquanto isso, ia ouvindo e desfiando histórias que passavam de um bairro para outro num piscar de olhos.
Não tinha saquinho, os pães eram embrulhados em folhas de papel, previamente cortadas e enfiadas na ponta de um arame pendurado na lateral da carrocinha. Dependendo do caso, depois de embrulhar o pão, o tal papel, de cor rosa ou parda, ainda poderia ter dois destinos; ou virava pito na boca do avô, embrulhando aquele fumo caipira de rolo que mandava o cheiro ardido bem longe, ou seguia para os banheiros de buraco (casinha) no fundo do quintal, fazendo às vezes do papel higiênico.
Surpreso!? Isso mesmo, lá pelas tantas de mil novecentos e sessenta e coisa nem todos tinham o conforto do papel higiênico e, nestes casos, papel de pão da cor parda, era artigo de luxo. O rosa nem pensar, soltava tinta fácil.
Eu, criança ainda, morria de dar risadas quando a tal égua cismava de fazer suas necessidades no momento em que o padeiro tava atendendo a freguesia. Era uma situação bem constrangedora para o seu João, ainda que fosse a coisa mais natural do mundo. Mas quem já sentiu o cheiro de xixi de égua de perto sabe que essas coisas não combinam muito bem com cheiro de pão quente.
Vez em quando a mãe mandava pegar um saco vazio e recolher os montes de estrume que ficavam espalhados pelas ruas para adubar a horta que a gente tinha no fundo do quintal. A terra ficava gorda, dava alface e almeirão de folhas bem viçosas.
Mas não era só carroça de pão não, também tinha a do bucheiro, a da entrega de lenha e as carroças de aluguel para frete de qualquer espécie, principalmente de areia de estrada para construção. Muita mudança de casa foi feita em cima de carroça e já vi muito animal ajoelhar-se na subida por não agüentar o peso ou porque escorregou.
Não fotografava nesta época, é pena. Lembro nitidamente que nos dias de missa essas carroças subiam as ladeiras em direção à igreja de São Miguel.
Uma tábua atravessada entre as duas laterais fazia às vezes de banco. No lado direito ia o carroceiro, geralmente de chapéu e cigarro de palha no canto da boca, ao seu lado, a patroa, com vestido de estampa colorida e sombrinha na mão protegendo o sol na cabeça para evitar de borrar o pó de arroz. Cena das mais bucólicas, como esta do entregador de pão.
Foto: autor desconhecido
Disponibilizada por: Milton Fernandes


Ivan Evangelista Jr
Membro da Comissão de Registros Históricos e
do Fotoclube de Marília

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