segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Os consertadores de panelas


Fotos:
1) Sr. Oscar Alves de Souza, há 30 anos consertando panelas na feira-livre
2) Juventino Pandolpho, 84 anos, desde 1966, fazendo e vendendo vassouras caipiras na feira, arte que já passou para os filhos

É na feira livre que tudo acontece, do ruído ao aroma das ervas


Em tempos em que as empresas clamam urgente por profissionais cada vez mais especializados, é possível notar que algumas profissões atravessam os anos e se perpetuam com a colaboração popular. Passeando pela feira-livre de domingo, encontramos alguns exemplos, como o vendedor de temperos, que geralmente faz uma juntada de vários condimentos, tendo como ingrediente principal a pimenta do reino, todos moídos na hora, naqueles moinhos de manivela ajustados em uma mesa improvisada para atender a freguesia exigente. O aroma peculiar se espalha pela redondeza e vai se misturando com outros cheiros, despertando sentidos e provocando diferentes sensações.
Tem também o vendedor de vassouras. Elas são amontoadas em pé, bem na passagem dos transeuntes para chamar mais a atenção dos potenciais compradores. Os fios são amarrados com cordões nas cores vermelho e verde, contrastando com o fundo amarelo e dando aquele toque especial no acabamento.
E se tem um lugar em que a alegria popular corre solta é na feira. Não raro, um espírito de porco mais saidinho, ao ver a dona de casa comprando a vassoura já grita do outro lado da rua: quer que embrulhe ou vai voando mesmo? Seria mais do que motivo para uma boa briga, mas na feira não. As pessoas sabem que não há maldade. O que prevalece é o bom humor brasileiro.
Mas há ainda outra banca tradicional, que sempre tem freguesia esperando a sua vez de ser atendida - o consertador de panelas. Tem muita gente que ainda leva panela para trocar o cabo que quebrou, ou para arrumar o fundo que ficou repuxado pelos anos de uso e fogo intenso. A velha panela de pressão, que no popular diz-se que “perdeu a pressão”, depois de cortada ao meio, pode se transformar numa nova panela, boa de temperar feijão e para fazer caldos que requerem tempo de cozimento mais longo.
A justificativa para esta demanda de serviço é a qualidade dos alumínios mais antigos, geralmente mais grossos e resistentes, mercadoria de primeira. Acho que também o costume de consertar panelas vem dos tempos do pós-guerra, tempos em que o metal já foi bem mais caro e o inox ainda não era utilizado em utensílios de cozinha.
A oficina ambulante é um misto de improviso e de tecnologia. Um pé de ferro, que já foi de sapateiro, uma peça circular na forma de uma grande coroa, que já foi de automóvel, soldados a uma grande barra de cano, formam a bancada de trabalho. Para completar, uma escova de aço, o puxador de arrebites, um pedaço de toco para bater nos fundos das panelas e ajustar as beiradas, e mais alguns martelos, de todos os tamanhos e formatos.
Espalhados pela banca, estão os cabos, curtos e compridos, retos ou curvos, as tampas de vários tamanhos, as borrachas para panelas de pressão, os botões coloridos dos acendedores dos fogões, as tampinhas de alumínio dos queimadores, os registros para regular o gás e mais um montão de acessórios.
O som típico do martelo batendo no alumínio vai longe. Enquanto esperam, homens e mulheres comentam o quanto são bons os produtos de antigamente. E, já que o assunto está na cozinha, aproveitam o tempo para trocar receitas e dicas de culinária.
Já te passaram aquela do feijão cozido com carne moída e cobertura de torresminho e cheiro verde? Ainda não? Ah... então não perde tempo não, passa a mão numa leiteira sem cabo e aproveita que hoje é o domingo.

Ivan Evangelista Jr
Membro da Comissão de Registros Históricos de Marília

*Publicado no Jornal Diário de Marília, caderno REVISTA, em 11/09/11



Um comentário:

  1. Que texto delicioso, que maravilha de expressão!!!!
    Ivan, a feira nos remete a uma nostalgia inigualável.
    Também acho tudo de bom frequentar esse ambiente.
    abraços

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