segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Por que os sinos não dobram mais?




Dois sinos na Capela de São Vicente 


Sino na igreja Nossa Senhora da Gloria, com a inscrição: doado por José de Goes, pelo restabelecimento da saúde do filho Manuel de Goes, 1950 


A “voz” da igreja se calou com o tempo e deixou saudade

Outro dia, me dei conta de que os sinos da cidade se calaram. E não é por falta deles, porque praticamente há um em cada canto. Alguns, bem lá no alto das torres da igreja, como é o caso dos sinos da Catedral de São Bento e da Igreja Matriz de Santo Antônio, as primogênitas da cidade.
Na foto histórica, vemos a primeira missa da capela de Santo Antonio, e lá estão os dois sinos pendurados, anunciando que em breve a igreja seria construída. Em matéria publicada na Revista Correio de Marília, ano de 1956, já se falava que “primeiro, os sinos, depois a cidade.”
A geração mais nova talvez não saiba da importância dos sinos numa comunidade, mas eles já foram referência no sistema de comunicação à distância e, de forma muito inteligente, utilizando a velocidade do som para chegar aos mais distantes recantos. O sino da igreja servia também para marcar as horas, mas, antes de tudo, era a “voz da igreja” para os seus queridos fiéis.
Havia a missa de corpo presente, rezada para o falecido, que antes de ser enterrado tinha o caixão postado de frente para o altar, onde recebia as bênçãos para o arrependimento dos seus pecados. Era encomendada pela família. Na ocasião, também se lia um pequeno currículo do falecido, fazendo lembrar aos presentes as suas boas realizações e confortando os familiares. Na saída da igreja, com destino ao cemitério, o sino tocava pesado e dolente, algo que soava como ‘dom, dooom, dooom’, bem cadenciado, trazendo um profundo pesar ao momento.
Das igrejas de São Sebastião e São Miguel, próximas do antigo Matarazzo, bem como da Capela de São Vicente - na rua Catanduva, esquina com a Lima e Costa -, lembro que as batidas dos sinos eram bem parecidas, fazendo o famoso ‘dindon, dindon, dindon’, batidas curtas e rápidas. Era a chamada do padre para anunciar que a missa estava para começar, tempo suficiente para os homens passarem a Glostora (precursora da brilhantina) no cabelo e ajeitar a gravata, enquanto as mulheres, sempre apressadas, saíam ajustando a anágua por baixo do vestido.
Na capela de São Sebastião, localizada na antiga Vila dos Carroceiros, tinha também o alto-falante, que aos domingos tocava as músicas preferidas da garotada do catecismo. Lembro bem deste refrão: ”mãezinha do céu, eu não sei rezar, eu só sei dizer, que eu quero te amar, azul é o seu manto, branco é o seu véu, mãezinha eu quero te ver lá no céu.”
Os sinos eram encomendados pela comunidade e geralmente, contava-se com a benevolência dos cidadãos e doações para a sua confecção. Na parte externa, estão gravadas informações que podem ajudar na identificação de sua origem e dos votos de fé, como o agradecimento por uma graça alcançada.
Estas menções às famílias que doavam recursos para a construção ou ornamento das igrejas eram comuns naquele tempo. Se você tem curiosidade de conhecer mais algumas, basta visitar a Capela do Colégio Sagrado Coração ou a Capela da Betânia.
Os sinos da São Bento e da Santo Antonio já encheram os ares com suas fortes badaladas, para anunciar casamentos, para anunciar falecimentos, para marcar as missas ou as procissões e a hora da Ave-Maria, um costume português, adotado no Brasil, que representava o fim de um dia de trabalho. Os relógios de bolso eram escassos, artigo de luxo, e poucos possuíam. Por isso mesmo, os sinos da igreja batiam as horas do dia.
O final da jornada coincidia com as 18h. Nas fazendas, a batida do sino na capela anunciava a hora da Ave Maria e reunia os escravos, senhores, mulheres, homens, crianças. Era a hora do terço em família, a hora da volta pra casa.
Bate o sino, pequenino, sino de Belém, já nasceu o Deus menino para o nosso bem.

Ivan Evangelista Jr.
Membro da Comissão de Registros Históricos
Publiado no Jornal Diário de Marília, coluna "Raízes" em 23/10/2011






 

Um comentário:

  1. Não sei, e digo que é uma pena eles não dobrarem mais.
    Como sou do interior tenho uma teoria: as pessoas hoje se sentem incomodadas com barulhos de igrejas, talvez pela diversidade religiosa que se instalou nas cidades, ou talvez por simplesmente apreciarem mais seus iPods do que os sinos, uma pena. Acho maravilhoso qdo, na catedral de bsb, consigo assistir ao espetáculo dos sinos....

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