sexta-feira, 9 de março de 2012

O Pé-de-Bode do Sargento Manzano

Manzano,de gravata, na frente da delegacia

No dia do casamento com a esposa Miriam

Algumas pessoas vão se lembrar que, na rua Arco Verde, ao lado da Escola SENAI, funcionava um Ponto de Automóveis, nome dado aos locais onde se podia alugar uma condução para fazer um frete de pequeno ou grande porte. Quase na esquina com a rua Quatro de Abril, ficavam estacionadas as Romisetas, veículos que, provavelmente, pouca gente conhece nos dias atuais, um tipo de Lambreta com carroceria pequena e cabine coberta.
Numa comparação simples, podemos dizer que estas foram a primeira versão dos atuais mototáxis, com a vantagem da carroceria para mercadorias. Eram compactas e quase todas na cor verde escuro. Um telefone público, instalado em poste de ferro próximo ao ponto, com duas campainhas estridentes para anunciar as chamadas recebidas, dava conta de todo o serviço de movimento de sacarias, engradados e malas dos viajantes que chegavam pelos trilhos da FEPASA. Por serem compactas, contavam com certa facilidade de manobra e atendiam bem às chamadas da plataforma de desembarque de mercadorias no pátio da ferrovia.
Mas, a lembrança mais agradável que me vem deste período é do Pé-de-Bode, ano 1929, propriedade do Sargento Manzano, casado com a Sra. Miriam e pai dos meus colegas de infância, o Marcos Manzano (Marcão), o Mário (Marinho), o Marlon e a Miriam (Mirinha). Sargento Manzano, um homenzarrão de bigode, serviu a Guarda Civil, que mais tarde veio a se tornar a Polícia Militar de São Paulo, com o maior orgulho desta terra. Vestia a farda com um ritual de fazer inveja e, com a ajuda da esposa, sempre muito carinhosa, dava os toques finais na arrumação do cinto, do coldre do revólver 38 e dos outros acessórios de trabalho.
 A gente ficava esperando que ele saísse pela porta da sala, na casa da rua 24 de de dezembro, esquina com a rua Catanduva, para embarcar, todo imponente, no seu querido Pé-de-Bode. A cena podia até ser rotineira, mas para nós era como filme de romance americano, que a gente não cansava de ver, com direito a beijo na boca e um afago de despedida nos cabelos já grisalhos. Dona Miriam tinha um orgulho e tanto do marido e, por várias vezes, vimos os olhos dela se encherem de lágrimas na hora da partida, tamanho foi o amor que eles viveram.
Sargento Manzano tomava conta da cadeia de Herculândia. Isto foi lá pelos anos de 1960 e 1970. Quando voltava do serviço, trazia da roça as mais belas melancias que eu já vi nesta vida, enormes, viçosas e tão vermelhas por dentro que chegavam a tingir os lábios. Era o complemento do orçamento familiar, sempre apertado. Por vezes, trazia abacaxis, jabuticabas e outras frutas de época.
Dona Miriam ajudava com a costura. Profissional de mão cheia, tinha a sua Singer virada para a janela, que dava para os baixos da rua 24 de dezembro, onde hoje estão o Alves Hotel, o prédio da Telefônica e a antiga rodoviária. De lá, ela ficava de olho nas nossas brincadeiras e na carga do Pé-de-Bode. O comércio era feito ali mesmo, os vizinhos buscavam da fruta porque sabiam da procedência e as conversas se desenrolavam a perder de vista. Era fato comum ouvir Dona Miriam lamentar que estava com as costuras todas atrasadas... também, pudera, haja terço e conta pra botar em dia.
Quando não estava com a farda da cor caqui, o Sargento Manzano se enfiava debaixo do motor, em um macacão cheio de graxa, fazendo os reparos, munido de uma alicate e um pedaço de arame. Cada viagem, um concerto novo ou uma encrenca nova surgia na casa. Cansado da lida, deitava no sofá e, com o cigarro de palha na boca, outro acessório inseparável, cochilava e as cinzas caíam queimando a roupa, sujando o sofá, o pano de prato e tudo mais que estivesse por perto.
O Marcão dizia que o cigarro o fazia dormir e, para provar a afirmação, era ele quem tirava o paieiro do canto da boca. O pai acordava no ato, resmungando e ralhando com a molecada.
O Marlon seguiu os passos do pai e, hoje, é cabo no Corpo de Bombeiros de Marília. O Mário é funcionário do INSS, trabalhava no atendimento da Rua Campos Sales,  fez curso de chefe de cozinha e mudou-se para a cidade de Balneário Cambuirú, onde também apresenta um programa de culinária na TV Cultura, O Marcão tornou-se consultor de vendas e de qualidade no atendimento ao cliente.A Miriam é profissional no comércio da cidade.
A casa dos Manzano foi sempre muito alegre e acolhedora, família feliz e exemplo de vida e de amor para todos nós. Não tenho dúvidas de que aprendi a respeitar e a gostar da Polícia Militar, desde pequeno, de tanto ouvir as histórias do Sargento Manzano, de ver o capricho no lustrar dos sapatos e do cinto, de ver a farda impecavelmente passada e o distintivo da Força Pública, orgulhosamente ostentado no lado esquerdo do peito.
Ivan vangelista Jr
Memro da Comissão de Registros Historicos de Marília
Publicado também no Jornal Diário de Marília, edição de 26.02.12

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