segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

A Rua São Luiz


Tem início na Rua Presidente Vargas, com a casa de nº 16, que ainda conserva traços de época, e termina com o nº 1.699, na esquina das Ruas Dr. Joaquim de Abreu Sampaio Vidal, Av.. Castro Alves e Av. Sampaio Vidal. Mais recentemente, a Rua São Luiz ganhou trecho de calçadão, que lhe deu o título de ser também o "Shopping a céu aberto", obra que transformou o conceito de comércio na cidade.
“Quem te viu, quem te vê”... afirma o ditado popular.
Quem te viu, minha cara Rua São Luiz, foi nada mais nada menos que o renomado fotógrafo John Phillips, protagonista de uma das seções de maior destaque da Revista LIFE, onde produzia o "Ensaio Fotográfico". A revista publicou ensaios que se tornaram parte da história do fotojornalismo mundial e, na edição de 22 de maio de 1939, a reportagem era sobre o Brasil, com a chamada para o título Brasil – Terra de oportunidades para estrangeiros. Marília se fez presente na edição com três fotos: a da Estação Rodoviária, a fachada das Casas Pernambucanas e a fachada do Hotel Osaka, sendo as duas últimas na Rua São Luiz.(confira em: http://veja.abril.com.br/blog/sobre-imagens/fotojornalismo/brasil-terra-de-oportunidade-para-estrangeiros/)
Neste mesmo período, J. Herculano Pires, hoje conhecido e reconhecido escritor e palestrante espírita, já andava por aqui. Foi ele o fundador da União Artística do Interior. Pires mudouse para Marília em 1940, onde adquiriu e dirigiu o jornal Diário Paulista durante seis anos. Em 1943, pela editora Civilização Brasileira, ele publicou a obra Estradas e Ruas. Dentre as poesias contidas no livro, está  “Encruzilhada do Mundo", que retrata fielmente o frenesi comercial da rua São Luiz.
Em homenagem a ele, publicamos texto desta obra e convidamos o leitor a fazer sua análise sobre o ontem e o hoje desta artéria urbana, que pulsa vibrante e atrai compradores de toda a região; e, nas palavras do autor, já profetizava a globalização com incrível sabedoria e sensibilidade: esta rua Babilônica, centopeia de luz, esquina do mundo, em que as raças se encontram, se entendem, se roubam.
O texto é tão grande em sua visão e tão profundo que merece ser apresentado em placa, em homenagem ao seu autor, placa exposta na rua homenageada, em local que todos possam ler e compartilhar esta visão poética.

ENCRUZILHADA DO MUNDO
No balcão de mosaico branco do bar
O japonês e sua mulher batem as xícaras em sua bandeja de folha
Riem alto e conversam na confusão de sua língua
E que barulho na rua!
Carroças carregadas e vazias
Sobem e descem pelo calçamento
Caminhões pesados rodam de um lado e de outro
Três bicicletas se embaralham numa esquina
E uma motocicleta estoura meia hora na porta do bar
Aturdindo meus ouvidos
Rua São Luiz, rua dos japoneses
Tirei o meu sábado para ver esta rua, para sentir esta rua diferente
Rua dos japoneses? Não! Dos baianos também.
(dos sírios, dos caiçaras paulistas que vêm comprar na cidade!)
A “Pernambucana” pintou o prédio de um amarelo tão vivo
Que até dói os olhos da gente!
A “Selaria São José” hasteou na fachada um cavalo de madeira que cavalga no azul, sedento de luz e distâncias
A “Casa Irará”, que evoca a Bahia,
Pôs na soleira da porta,
Entre as vitrinas repletas de calçados e chapéus,
O sorriso brasileiro de João Patrocínio.
Para marcar de vez o domínio nacional
Nesta rua babilônica.
Rua São Luiz, rua comprida que se perde de vista!
Que parece de noite uma enorme centopeia de luz
Que parece de dia uma esquina do mundo, em que as raças se encontram, se entendem, se roubam.
Se ama, se repele.
Rua São Luiz, rua diferente e confusa,
Que assusta, repugna, que revolta,
E que depois conquista num assalto,
O coração da gente!
O meu amigo Schleiar, da “United Press”
Andou por aqui comigo.
E saiu assustado com a rua maluca
Ah! Mas se ele estivesse aqui neste momento ao meu lado
Pra ver a japonesinha de vestido cor-de-rosa, cinco ou seis anos
Uma fita festiva de cabelos pretos
Sobrancelhinhas perfeitas como dois vôos de andorinhas
Brincando na calçada do Okamoto com o negrinho
De olhos vivos, com o “turquinho” de boné de couro,
Com o judeuzinho de olhos azuis como Jesus
- estou certo que ele veria nesta rua
A encruzilhada da fraternidade!
Sim, a encruzilhada do amor, na síntese do Brasil
Essência de todos os mundos e civilizações que
Assusta a nós mesmos, que atemoriza a todos
Mas que segue a sua marcha tranqüila e certa como um rio
Rua São Luiz, um inglês da “Clayton” passou pela calçada
Com o charuto de Churchill na boca.
Um alemão de culote, nariz de espada recortando o vento
Desceu a rua num cavalo fogoso,
E quase aplicou um “blitzrieg” no espanholzinho da bicicleta
Que o chamou logo de besta…
A japonesinha colegial da “Farmácia São Luiz”,
Blusa branca e saia azul,
Cumprimenta o Yamashita numa longa e sorridente curvatura
Três legítimos caiçaras desdentados e magros
Discutem guerra ao meu lado
A polaca opilada, de lenço na cabeça, olhar manso de carneiro
Que ninguém sabe de onde veio,
Uma criancinha no braço e outra pela mão,
Pede esmolas na esquina.
Rua São Luiz… encruzilhada do mundo!
-eu te odiava e você me conquistou!
(Do livro Estradas e Ruas, 1943, J. Herculano Pires)
Ivan Evangelista Jr., membro da Comissão de Registros Históricos de Marília,
Publicado no Jornal Diário de Marília, edição de 16/02/2014

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