segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

A rua Sergipe e o conto das moedas


Contam um causo de que um pesquisador, depois de passar um bom tempo na floresta, onde foi desenvolver um projeto sobre plantas medicinais, ao retornar para a cidade convidou o seu guia, um índio nativo, para vir junto e conhecer as modernidades e a vida urbana. Durante o período em que perambulou pelas matas, aprendeu a se orientar pela posição do sol, pelos ventos, aprendeu sobre a importância das nascentes e da água potável e muito mais sobre as coisas realmente importantes da vida.
E assim que chegaram à cidade começaram a andar pelas ruas. Entusiasmado, o pesquisador foi mostrando os prédios altos, mais altos que as árvores da floresta, as vias lotadas de carros que buzinavam freneticamente e nem sempre respeitavam as faixas para pedestres, as sedes suntuosas dos bancos e as pessoas que lotavam calçadas e espaços públicos. Notou, no entanto, que o amigo índio se tornou mais fechado, pouco conversava e não fazia comentários.
Ao perguntar o que se passava com ele, recebeu como resposta que estava assustado com a cidade e que as pessoas não sabiam viver corretamente neste espaço e sequer paravam para se cumprimentar ou para fazer as refeições. Isto quando não estavam fechadas em seus mundos “internéticos”, com estas maquininhas infernais que carregam invariavelmente nas mãos e nos bolsos. É claro que foi retrucado imediatamente pelo vivente urbano e ouviu que isto era o progresso inevitável e que a tecnologia está presente em quase tudo que fazemos.
- Mas, e a essência da vida?, perguntou o índio. - Como assim? Respondeu o cidadão.
Estavam na Sampaio Vidal, horário de pico. O índio então pediu algumas moedas e, após pegá-las nas mãos, jogou-as para o alto e esperou que caíssem, pedindo ao amigo urbano que prestasse muita atenção. Assim que as moedas bateram na calçada, as pessoas diminuíram o ritmo dos passos e passaram a procurar onde haviam caído. Foi como se um estalo mágico, uma hipnose coletiva as tirasse de suas bolhas.
O índio olhou para o amigo e disse: é sobre isso que eu estou falando. Você acabou de ver que o coração das pessoas está onde os seus principais valores estão.
Esta historinha é para provocar os amigos leitores. No andar pelas ruas da cidade pouco paramos para observar a paisagem, o contexto, os cheiros e cores. Por vezes, dirigimos no modo piloto automático, porque fazemos o mesmo trajeto diariamente, ou nos sentamos nos ônibus com os fones de ouvido até o destino final.
A rua Sergipe
Do alto do seu ponto de encontro com a avenida Vicente Ferreira, bem em frente ao portão do Yara Clube, foi onde comecei a pesquisa para este artigo. Tive a sorte de encontrar na manhã ensolarada o amigo Marcelo Castelassi, gerente de crédito do Santander, morador da rua desde sua infância. No diálogo rápido, ele me contou que seu avô, Adelino Castellassi, foi um dos primeiros moradores do bairro, e também a família Morgante, com morada na esquina da rua São Vicente.
É o último quarteirão que encerra a via com o número 955, destacando as floridas Quaresmeiras e os  Resedás, um branco e outro rosa, entremeados com as Mangubas, que mais parecem patas de elefantes pisando as calçadas.
Foto: Ivan Evangelista Jr
Lá do alto, é possível observar que a Sergipe está alinhada com os fundos do prédio da antiga Caixa Econômica Estadual. Olhando pouco mais à direita da paisagem, destacam-se as duas torres da Basílica de São Bento. Marcelo me contou que a prima dele lhe disse que, quando criança, saía na calçada para olhar as horas na torre do relógio. Contou também que o asfalto demorou para chegar ali,  lá pelos idos de 1970.
Uma quadra mais abaixo, sentido centro, tem-se uma vista que merece nossa parada e admiração. Vê-se dali o espigão nobre da cidade e todas as interferências arquitetônicas que explodem em pontos salteados. Marília não para.
Do lado direito, o prédio do Estudantado São José, instituição mantida pelos irmãos do Sagrado Coração no passado. Atualmente, o prédio compartilha os espaços com a Irmandade, responsável pela formação dos religiosos, a Escola Social do Colégio Cristo Rei e o Centro Social, voltados ao atendimento de alunos das comunidades carentes.
Descendo um pouco mais, encontramos uma casinha de arquitetura antiga, bucólica mesmo, com a varanda ornada por arcos e tendo ao lado a garagem, separada, como foi costume de época. No terreno ao lado direito, um viveiro de mudas, talvez um tímido comércio, quebrando a monotonia do quarteirão com pequenas roseiras e outras flores ornamentais que brilham ao sol da manhã.
Na baixada da via, três casinhas de madeira resistem ao tempo. Nos fundos dos terrenos, outras casas construídas. Vale lembrar que antes da regulamentação pela prefeitura, era possível dividir lotes em duas ou mais partes e construir várias casas. Pouca gente sabe, mas sob estes mesmos terrenos, nas entranhas das galerias, ainda flui o córrego Palmital, que teve sua nascente na baixada da rua 9 de Julho.
Estamos quase chegando na Praça São Bento, mas, antes disso, passamos quase que despercebidos pelo Roupeiro São Vicente de Paulo, outra importante obra dos Vicentinos, organizada em 1934, com a coordenação dos trabalhos pela Sra. Ilze de Almeida Pirajá. Tinha por objetivo atender aos pobres assistidos pela comunidade Vicentina. Em 1938, foi adquirido o  terreno da esquina com a avenida República, sob a presidência de D. Marina Helena Piza de Sampaio Gois, e o prédio inaugurado em 22 de março de 1949. O roupeiro passou a ser denominado Santa Rita de Cássia, em 1936. Na fachada, ainda é possível conferir a plaquinha branca que estampa o nome e a informação de que o prédio é próprio.
No ano de 2008, por decisão do prefeito municipal, a praça cedeu o espaço do coreto para que a via pudesse contar com a ligação no trecho compreendido entre as ruas Nelson Spielman e Pedro de Toledo. Decisão polêmica, baseada na necessidade de permitir o fluxo de veículos e ônibus que partem ou chegam ao terminal rodoviário urbano, com a instalação de mais um bolsão de estacionamento anexo à praça.O que pouca gente sabe é que no ano de 1974, pela Lei 2204, de 18/09, o então prefeito Pedro Sola, incorporou à Praça Da. Maria Isabel, o trecho mencionado da rua Sergipe, medindo 16 metros de largura por 100 de comprimento. Ou seja, a rua já separava a praça da igreja, o que houve depois foi a volta ao estado anterior dos fatos e o alargamento da via.
Ainda na esquina com a Pedro de Toledo, casinha conservada guarda a memória da inesquecível professora Diva de Macedo Marçal, educadora, orientadora educacional exemplar, entre outras inúmeras qualidades, e pessoa que muito contribuiu para a melhoria do ensino em nossa cidade.
Neste ponto de vista da paisagem, é possível fazer um exercício mental e, ao olharmos no sentido do Yara Clube, voltar ao passado e entender que talvez os mesmos ventos inspiradores ainda sopram, ventos que na época de Bento de Abreu e seus seguidores conduziram o destino dos altos da cidade com a construção da Santa Casa, da maternidade e do Educandário Bento de Abreu.
E, para encerrar este encontro, deixo aqui uma pergunta: quando foi a última vez que você sentou-se em um banco da praça e saboreou um saco de pipocas quentinhas, deixando seus pensamentos flutuarem pelas paisagens ao redor? Precisamos tomar cuidado para que os sons das moedas caídas de bolsos alheios não cubram as notas musicais que brotam dos nossos sonhos e corações.
Ivan Evangelista Jr., membro da Comissão de Registros Históricos de Marília
Publicado no Jornal Diário de Marília, edição de 23/02/2014

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