quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Avenida Pedro de Toledo

Percorrer as ruas da cidade para pesquisar e depois escrever estes artigos tem sido algo muito gratificante. Podemos dizer que vemos as coisas todos os dias quando estamos envolvidos pela rotina, porém, o olhar é diferente do ver. O olhar invoca mais concentração, mais atenção da nossa parte, e acabamos percebendo mais os detalhes das coisas, da paisagem, das construções. Nos envolvemos com a história.
Foi assim com a rua Pedro de Toledo. Percorri os seus 4 km de extensão, com início na praça Higashi Hiroshima e finalizando na rua 06 de Setembro, a conhecida rua do Tiro de Guerra. Busquei no percurso destacar pontos que pudessem enriquecer um pouco este nosso encontro de domingo, mas não foi nada fácil. Parece que a via  parou no tempo. Mesmo sendo uma das principais, que ajuda a desafogar o trânsito no sentido centro – bairro, não apresenta grandes modificações no paisagismo urbano, salvo alguns escritórios de contabilidade ou de advocacia que já investiram em prédios e fachadas mais modernas.
Uma boa visita foi ao prédio do antigo Grupo Escolar de Marília, o Thomaz Antonio Gonzaga, a primeira escola de Marília, que tem na fachada a inscrição e a data do ano de 1932. Descobri na visita que este prédio é um modelo de preservação da nossa memória, visto que abriga atualmente a Diretoria de Ensino de Marília, órgão que fiscaliza 116 escolas do ensino fundamental e do ensino médio. Duas imponentes figueiras dão as boas-vindas aos visitantes e, nas placas instaladas próximas dos troncos, encontramos a informação de que são espécies preservadas pelo interesse paisagístico, portanto, imunes ao corte por decreto municipal. Em outra placa no jardim frontal encontramos a informação de que foi o Sr. Leonel Ramos de Oliveira, que aos 12 anos de idade plantou o Ficus-Benjamim, em 21 de setembro de 1944.
As salas de aula, no passado cheias de alunos, hoje são ocupadas por espaços administrativos e gente envolvida com as anotações e registros burocráticos da vida escolar. Janelas amplas ajudam na ventilação do prédio e, mesmo com o intenso calor destes dias, a condição ambiente era suportável, ajudada pela altura do pé direito dos cômodos e pelos amplos corredores que deixam a ventilação correr livre. As imensas portas de madeira são originais e, a partir da metade, da parte superior para cima, contam com vidros, pois assim era mais fácil a direção escola acompanhar o desenvolvimento das aulas.
O piso é de assoalho de madeira, bem conservado e limpo. E ainda tem porões. Me fez lembrar das professoras que pediam para os alunos pisarem com cuidado no deslocamento dentro da sala, para evitar o “toc toc” gerado pelo contato dos saltos de sapato com a madeira.
O destaque maior é para a arquitetura histórica da nossa Igreja Matriz de São Bento, que teve a pedra fundamental lançada em 1º de maio de 1929. Foi elevada a Basílica após a criação do Bispado de Marília, em 26 de fevereiro de 1952. Os belos jardins aos seu redor são convidativos para passeios e leituras. É na Basílica que estão guardados os restos mortais de Bento de Abreu Sampaio Vidal e de sua esposa Maria Izabel Sampaio Vidal, homenagem mais do que justa aos grandes benfeitores da nossa cidade. Anote em sua agenda para aproveitar um destes domingos e comparecer à missa das 19 horas, que tem coral e acompanhamento musical de um grande órgão, enchendo as galerias de sons e vozes harmônicas.
Passando pelo prédio de número 993, lembrei que ali foi morada do nosso querido Dirceu Maravilha, radialista esportivo que faz sucesso na capital, mas que já foi a grande estrela do rádio marilense. A casa em questão é do tipo germinada, expressão utilizada para casas que não possuem distanciamento com o vizinho, compartilhando uma das paredes, que serve de divisa. O detalhe legal é que estas residências são separadas por uma parede, mas o telhado não, ou seja, o madeiramento serve às duas residências.
Sobre este assunto, lembro que meu pai comentava sobre os tugúrios, que eram conjuntos de casas de madeira construídas coladas umas nas outras. Dizia ele assim em tom de brincadeira: “Morar nestas casa não é nada fácil, o que você fala de uma lado o vizinho escuta do outro, se brigar com a patroa então, no outro dia o assunto tá na rua”.
Passei pelos fundos do Colégio das Irmãs, onde as quadras fazem divisa com a rua, e segui adiante. Lembrei da residência do delegado Dr. Lourival Luiz Viana, e do antigo empreendimento dos irmãos Daloia, que sempre fizeram pães e quitutes de primeira qualidade e ainda mantinham o forno a lenha, o que dá um toque todo especial na massa, isso sem falar do aroma de pão quente saindo do forno, que invadia a redondeza e servia até de relógio para a vizinhança – olha só o cheiro, tá saindo a fornada das quatro da tarde.
Nesta mesma quadra, outros nomes ilustres já dividiram vizinhança, como o querido Moura, dono no passado da distribuidora de bebidas da rua São Luiz, o saudoso Barretinho, da Banda do Barreto, e o querido alfaiate e voz de ouro João Calandrim, que faleceu tem pouco tempo.
Já nos quarteirões que têm a numeração 1600, encontramos alguns points que são parte do roteiro gastronômico da cidade: o Bar do Nelson e o Bar da família Gradim, servindo costelão na brasa, porções diversas, espetinhos e os inevitáveis torresmos, especialidade da casa. Dias destes descobri que o Nelson está fazendo pescoço de frango frito, uma iguaria – só quem já experimentou sabe o quanto é bom.
Antes de chegar na indústria Marcon, temos mais dois bares que sempre reúnem bons grupos nos finais de tarde, em busca da recuperação de energias e da breja (cerveja) mais gelada.
Uma curiosidade neste trecho é a borracharia que vende sabão caseiro. Já utilizei os serviços de reparos do simpático senhor e acabei comprando o sabão que ele faz. Na receita vai abacate, gordura reciclada, soda etc., e tem o cozimento artesanal no tacho. Quer saber? Limpa bem mais que estes sabões modernos e tem um cheiro bem característico, que marca o lugar onde são guardados.
Depois do supermercado Tauste, já no quarteirão 2600, você poderá observar que até o final da via ainda restam algumas casas de madeira. Vale lembrar aqui da fábrica de moveis e de balaústres para cercas de madeira, depois Serraria Santa Lúcia, do seu Arnaldo Spachi, pouco depois da esquina com a rua Antonio Prado; funcionou até 10 anos passados.  O lado esquerdo da via divide terreno com a antiga linha férrea e os fundos da indústria Nestlé. Neste trecho, o que ajuda na paisagem é a pista para as caminhadas, sempre com bom movimento e algumas primaveras enfeitando a cerca e a academia de ginástica ao ar livre, já quase no final. 
Segundo os registros do historiador Paulo Corrêa de Lara: “O nome inicial desta Avenida era São Paulo. A mudança deste nome se prende à Revolução de 1932, quando era interventor em São Paulo o Embaixador Pedro de Toledo que à mesma se incorporou com dedicação e entusiasmo, sendo exilado para Portugal pelo Governo Ditatorial quando da derrota dos Paulistas. Político brasileiro e advogado formado pela Faculdade de Direito de São Paulo, foi deputado estadual em 1895, foi Ministro do Brasil em Roma, Madrid e Buenos Ayres. Regressou ao Brasil em 1934 e faleceu no ano de 1935 no Rio de Janeiro. Nasceu em 1860”.

Ivan Evangelista Jr. é membro da Comissão de Registros Históricos de Marília

Contato: evangelista@univem.edu.br
Publicado no Jornal Diário de Marília, edição de 09/02/2014

Um comentário:

  1. Ivan, Maravilhoso trabalho, Memória Viva da cidade, feito com amor, Parabéns!

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