segunda-feira, 21 de julho de 2014

Avenida Carlos Gomes

Em Brasília, são 19 horas. E assim seguimos ouvindo as notas da ópera “O Guarani”, tema de abertura do programa oficial “A Voz do Brasil”. A obra foi criada por Antonio Carlos Gomes, nascido na cidade das Andorinhas, no ano de 1836. Como curiosidade, e já que sou um radio-ouvinte de carteirinha, vale mencionar que “A Voz do Brasil” entrou para o Guiness Book como o programa de rádio mais antigo do nosso país. O noticiário também é o mais antigo programa de rádio do Hemisfério Sul.
A avenida que presta justa homenagem ao artista, que é também considerado o maior compositor de ópera brasileiro, fica bem no centro da cidade e guarda a história de importantes personagens. Visitando as duas últimas quadras, encontrei amigos que me ajudaram a fazer uma lista de resgate de memória.
Wilson Rocha, Carlinhos e Alexandre
Todas estas pessoas participaram e/ou participam da construção da história viva de Marília e, por coincidência, mantiveram ou mantêm estabelecimentos nestas duas quadras. Difícil dizer quem não conhece o poeta e boa praça Wilson Rocha, discípulo do ilustre Sebastião Mônaco, proprietário do Escritório e Despachante Lex (desde 1954). Na linha de frente do balcão, os futebolistas Carlinhos e Alexandre, sempre simpáticos e muito prestativos.
Ao lado do despachante, está o escritório do advogado Dr. Antônio Cardoso, conhecido pela sua ilustre carreira na advocacia, e também considerado fonte de consulta permanente nas lides jurídicas que demandam alta dose de competência e conhecimento. Fazendo “parede” com a entrada do escritório do Dr. Cardoso, está o consultório do Dr. Salum (filho), sendo o pai, além de médico, grande pesquisador das leis de causa e efeito que influenciam as nossas vidas, em grau e intensidade que nem podemos imaginar.
Do outro lado da rua, está o comerciante Massao Shimada, hoje com loja de flores e presentes para ornamentação residencial. Ele foi amigo e trabalhou junto com o saudoso Júlio Minei, da Farmácia Santa Fé, que teve sua sede na avenida Carlos Gomes. A farmácia era do Sr. Edgard Santa Fé Cruz, passou para o Minei, porém, foi conservado o antigo nome quando se mudou para a rua São Luiz e tornou aquele quarteirão um dos mais famosos da cidade e ponto de referência para outros comércios ou endereços procurados.
Falar de cinema, falar de arquitetura, de modernismo e estilo, é falar de Roberto Cimino, pai e filho. Na frente do seu escritório, quase na esquina com a Rua Maranhão, há três árvores que recebem cuidados artísticos na poda e compõem a fachada do prédio com um certo estilo europeu. As paredes pintadas na cor escura dão o destaque merecido para as folhas verdes; parece paisagem das ruas de Paris.
E naquele trecho, que mais parece a proa de um navio, pequenas portinhas são recantos de comércios e prestadores de serviços diversos. Este conjunto de lojas, de consultórios médicos, ótica e relojoaria, despachantes e artigos domésticos, cria um vai e vem que lembra muito o ritmo urbano de quando a rodoviária ainda estava por ali.
Foi numa destas portas, a de número 636, que o fotógrafo e grande amigo Manuel Joaquim Pires, o “Manuel do Tio”, manteve por anos o Foto Lusitano. Ali também foi sede do Consulado de Portugal em Marília, sendo ele o cônsul nomeado para intermediar os interesses entre os dois países. Mas tem outros fatos que talvez poucos conheçam.
Todos os dias, a abertura da porta do estabelecimento era aguardada com muita ansiedade pelos amigos portugueses, que faziam do Foto o seu ponto de encontro. Assim que o número chegava ao quórum, era iniciado o tradicional jogo de palitinhos (porrinha). Estabelecido o número de rodadas, ao perdedor cabia pagar os cafés, tomados em tradicional bar da esquina, passado em coador de pano e servido na xícara fervida, para manter a caloria.
Vi e ouvi, por vezes, o amigo Manuel ralhar com os amigos, pois não era possível falar ao telefone, tamanho era o vozerio e a animação. O “velho” Gaspar, gerente do Pastorinho, que tinha porta dos fundos na Carlos Gomes, fez parte das rodadas, deixou saudades. Depois que o Foto encerrou as atividades, não descobri se eles continuam se encontrando em algum outro ponto da cidade.
Na frente deste prédio, ainda existe um ponto de táxi, que é dos mais tradicionais na cidade. Um dos taxistas é o Sr. Hiroshi Funai, hoje aposentado, mas tenho a impressão de ainda vê-lo por lá quando passo pela rua. Além de chofer de praça, Sr. Hiroshi era massagista. Informalmente, ali mesmo no “banco da praça”, atendia grande número de pessoas que o procuravam, acometidas por torcicolos, nervo repuxado ou espinhela remontada. Algumas cenas muito hilárias ocorriam quando o atendido, em público, sentia e urrava com as dores do tratamento.
Na esquina com a rua Álvares Cabral, temos de um lado o edifício J.B (João Barreto), construído em 1983, possui interessante fachada com elementos vazados e quadriculados, outro marco urbano na arquitetura da época. Na frente, adaptada em labirintoso prédio residencial, a sede da Secretaria Municipal da Administração, Diretoria de Suprimentos, Licitação e Compras.
A avenida tem início no quarteirão onde está o hospital Materno Infantil da Famema. E, assim que atravessamos a Rua Floriano Peixoto, tem início a Rua Monteiro Lobato. Este fato ocorre com várias ruas e avenidas da cidade, em razão de que alguns bairros foram anexados aos já existentes, aproveitando o traçado das ruas para a criação de novas vias. Nas imediações, está a sede da Legião Mirim de Marília e do Ipem - Instituto de pesos e medidas.

Ivan Evangelista Jr.
Membro da Comissão de Registros Históricos de Marília
Publicado no Jornal Diário de Marília em 20/07/2014

domingo, 13 de julho de 2014

Avenida Vicente Ferreira


Limitada pelos vales, a cidade tende a ocupar cada espaço disponível que esteja sobre o platô da grande escarpa onde se encontra plantada a nossa querida Marília.  Aliás, este tema foi bastante discutido durante os cinco encontros para elaboração do Plano Plurianual da cidade, realizados no ano de 2013 no Espaço Cultural.

Profissionais renomados e entendidos no assunto apresentaram dados e informações que nos ajudaram a entender melhor o processo de ocupação do solo e os problemas que surgem em razão da instalação dessas áreas residenciais. Além das questões ligadas ao esgoto, rede de água e infraestrutura geral, há também uma forte discussão tramitando sobre a questão de se preservar o limite mínimo de 100 metros nas edificações que beiram os Itambés. 

A região do aeroporto, zona oeste, é o exemplo maior de que esta discussão ainda vai longe e de que novos loteamentos estão avançando em ritmo acelerado. O Portal da Serra, condomínio residencial que abriu os horizontes imobiliários para esta região, foi um marco histórico neste contexto. Depois dele, outros loteamentos planejados foram lançados e vendidos com certa margem de facilidade para os seus incorporadores.

O problema seguinte é acertar o fator mobilidade para todas estas famílias que já se mudaram ou estão construindo suas residências na referida área. A partir das 16h30, a Av. Vicente Ferreira, principal corredor de acesso à zona oeste, recebe trânsito mais intenso e mostra que se tornou estreita para acomodar a frota de veículos, mais o fluxo de pessoas, que se utilizam dos serviços e comércio instalados ao longo dos seus 1.600 metros de extensão, compreendidos entre a rua Yara, até a rotatória com a Avenida das Esmeraldas.
Com mão dupla de direção e estacionamento permitido dos dois lados da via, a situação se complica mais a cada dia que passa e requer estudos de alternativas.

O estádio Bento de Abreu Sampaio Vidal é o abre alas desta avenida e vale lembrar que a sua origem vem da fundação da Associação Atlética São Bento, em 1929. Está registrado que, no dia 20 de fevereiro do mesmo ano, aconteceu uma reunião de marilienses, entusiastas do futebol, na residência do Cel. Rodolpho Negreiros, para fundar a associação. Foi nesta reunião que o benfeitor Bento de Abreu Sampaio Vidal ofereceu o terreno, medindo 200 metros de frente por 100 metros de fundo, avaliado em cinquenta contos de réis, para ser a sede e campo do grêmio esportivo.

Até o ano de 1967, o São Bento seguiu sua trajetória, entre trancos e barrancos, comuns na administração dos clubes de futebol. Foi neste mesmo ano que o clube encerrou as suas atividades esportivas, sendo foi substituído pelo Marília Atlético Clube, o MAC, e passando a utilizar o campo de futebol doado por Bento de Abreu.

Mais adiante, está o Lar São Vicente de Paulo, criado em 20 de dezembro de 1930, tendo os trabalhos ao cargo de um grupo de católicos, coordenados pelo padre Antonio da Graça Christina. Nesta obra, novamente, vemos a mão benfeitora de Bento de Abreu Sampaio Vidal, doando área anexa à Santa Casa de Misericórdia. A pedra fundamental foi lançada em 1933, e a obra final inaugurada em julho de 1936, o que nos dá uma visão da pujança social que permeava a sociedade comprometida com as obras assistenciais. 

A Santa Casa de Misericórdia, prédio que me agrada muito pela bela fachada que apresenta, faz parte das primeiras obras de benfeitoria na cidade. Bento de Abreu, doador do terreno, sempre trabalhou de forma planejada e, antes da construção da Santa Casa, incentivou a fundação, em janeiro de 1929, da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Marília, congregando os profissionais que já atendiam em casa de saúde que ficava nas mesmas imediações do futuro complexo hospitalar. Anexo a este, estavam planejados, ainda, o Hospital Infantil “D. Maria Antonieta Sampaio Vidal Altenfelder Silva”, a Maternidade “Maria Izabel”, a Escola de Enfermagem, a Igreja Santa Izabel e o Educandário “Bento de Abreu Sampaio Vidal”.        

Seguindo na ordem crescente da numeração, chegamos até a Estação de Tratamento de Águas da Cascata, responsável pelo abastecimento da zona oeste. Foi da estação que surgiu, no ano de 1940, a ideia da construção de piscinas que servissem a população, recebendo a denominação de Yara Clube (mãe D´água), para aproveitar os mais de 40.000 litros de água utilizados na lavagem dos filtros. Além do conjunto aquático, o clube possui quadras esportivas cobertas, salão de baile, restaurante, academia de ginástica e área de lazer completa. Até o ano de 1999, foi palco dos melhores bailes de carnaval do interior paulista e, em todas as noites, formavam-se filas enormes na calçada, aguardando a abertura dos portões.

A história conta que, depois de muitas iniciativas, foi no governo de Jânio Quadros, em1957, na gestão do prefeito Dr. Argolo Ferrão, que conseguimos a aprovação na Assembleia Legislativa para a instalação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.  O vereador Luiz Rossi liderou uma comitiva que foi tratar do assunto com o governador, oportunidade em que recebeu a notícia de que o governo não tinha recursos para bancar a construção do prédio.

A alternativa foi recorrer a Hygino Muzzi Filho, presidente do Educandário “Dr. Bezerra de Menezes”, obra que já estava na sua fase final de construção. O pedido de empréstimo do prédio para abrigar a Faculdade foi aprovado pela diretoria, sendo providenciada a expedição de ofício declarando a cessão do prédio, ao Estado, pelo prazo mínimo de 10 anos. Em razão desta iniciativa, o governador assinou a Lei nº 3781, de 25 de janeiro de 1.957, criando a Faculdade. 

Os ventos políticos sopraram e um movimento paralelo buscou a instalação da Faculdade no prédio desativado da Fiação de Seda Maria Izabel. O mesmo foi adquirido pela prefeitura e, após a reforma e adaptação do prédio, aconteceu a inauguração em 1958.

Vicente Ferreira: voluntário de 32 e que morreu no “front” defendendo o nosso Estado.  

Fontes de pesquisa: livro “Marília, Sua Terra, Sua Gente”, de Paulo Corrêa de Lara, e arquivos da Comissão de Registros Históricos de Marília. 

Ivan Evangelista Jr. é membro da Comissão de Registros Históricos de Marília.

Publicado no Jornal Diário de Marília, em 13/07/2014

 

segunda-feira, 7 de julho de 2014

A rua Bahia

A rua Bahia tem início na av. Sampaio Vidal, na Praça Saturnino de Brito, e termina na av. Vicente Ferreira, onde está a rotatória/complexo viário Allan Kardec, com placa de inauguração de abril de 2007, homenagem da prefeitura à comunidade espírita de Marília.

Um fato curioso é que no Google Earth a rua Bahia aparece até o limite com a av. República, esquina do restaurante Chaplin. Antes de maio de 2005, a rua Sorocaba passava em frente ao restaurante mencionado e seguia até a rua Vicente Ferreira. A incorporação (fechamento) de parte da rua Sorocaba estendeu a calçada e formou uma grande praça. Com a Lei 6.255, a Câmara Municipal deu a nova denominação de rua Bahia prolongamento ao trecho entre a av. República e Vicente Ferreira.
Bonde preservado no Monteiro Lobato
A rua Bahia tem belas espécies de árvores preservadas. São elas: o ipê roxo, que faz sombra para a estátua de Bento de Abreu Sampaio Vidal, erigida em sua homenagem nos jardins do Paço Municipal, os flamboyants e palmeiras, algumas com mais de 15 metros de altura, do parque Monteiro Lobato e a bela sombra proporcionada pelas Sibipirunas na praça em frente ao restaurante Chaplin.
O prédio sede da nossa prefeitura municipal tem três importantes premiações pela arquitetura arrojada. A planta foi elaborada pelos engenheiros Miguel Badra e Ginez Velanga, com início das obras no ano de 1953 e a inauguração em 1960. Na entrada principal, em letras douradas e de alto relevo, lemos: “Edifício Capitão Adorcino de Oliveira Lyrio”, homenagem ao ex-prefeito que administrou a cidade de 1952 a 1955.
A frente do prédio passa por algumas reformas, com a instalação do sistema preventivo de incêndio, a revitalização dos jardins e troca do calçamento. Sabemos que a adequação de um antigo prédio dentro das novas normas de segurança (bombeiros) e acessibilidade é um trabalho desafiador e acaba provocando desencontros de opiniões. No passado, os lagos com os cisnes e pequenas fontes enfeitavam a fachada; no presente, jardins substituem os tanques devido à ameaça da dengue, de pequenas infiltrações e outras responsabilidades que cabem à administração municipal responder pela segurança e cumprimento das normas. Por isso dizemos que o correto, por vezes, pode ser inimigo do bom ou do ótimo, mas normas são feitas para serem cumpridas.
Vale o mesmo para a preservação das fachadas laterais porque as pastilhas originais sofrem a infiltração da chuva e as constantes oscilações da temperatura, provocando dilatação e contração do conjunto.
Não vou me aprofundar na história dos dois casarões, que estão ao lado da prefeitura. Nossa querida historiadora Tia Rosalina já o fez em publicações anteriores. Fica o registro das construções como referência histórica, sendo que uma delas abriga a assessoria de imprensa e comunicação da prefeitura e outra o setor de entrega de avisos.
Mais abaixo, tem o prédio do primeiro Fórum da cidade. Este prédio também já foi alvo de vários artigos e de teses de conclusão de curso superior de arquitetura, tudo devido à sua exuberância e detalhes no acabamento, interno e externo. É certo que na concepção do seu projetista ele não contava com a quantidade de árvores que hoje cobrem a fachada e impedem a visão artística da obra. Daí a importância de sempre se pensar um projeto de paisagismo urbano, afinal, árvores são importantes para as pessoas e para o embelezamento da cidade, porém, cada qual no seu espaço e porte adequados ao meio. O Parque Monteiro Lobato é um bom exemplo de paisagismo urbano planejado.
A passagem por debaixo dos trilhos da linha férrea ocorreu nos anos de 1989-1990 para solucionar os problemas constantes de acidentes entre trens, veículos automotores e pessoas. A passagem ganhou recentemente trabalho de pintura artística, com flagrantes da nossa história (os dinossauros, o ciclo do café e algodão, o primeiro trem, o primeiro poste de energia elétrica), trabalho executado com muita competência pelos grafiteiros Sidnei Alves, Luiz Keno e Davi Antiqueira.
Quem morou no trecho por vários anos foi a família Mazeto. E, se você encontrar o Amauri Mazeto (vereador na legislatura 1989-1992), vai descobrir um monte de histórias de personagens que viveram naquela região.
Antiga sede do Correio de Marília
No mesmo trecho, funcionou a sede do Jornal Correio de Marília (Bahia, 374), onde o saudoso Anselmo Escarano escrevia seus artigos e recebia os amigos. Quando mais jovem, eu, prestando serviços de contínuo (preguinho) para o Educandário Bezerra de Menezes, e depois para a Fundação Eurípides, visitei a sede do Correio por inúmeras vezes para levar textos, fotos e releases.
No sentido ao bairro, saindo da passagem de nível, encontramos o tradicional posto de gasolina Auto Cafezal, antigo Posto Ouro Branco; do lado direito, um colégio e uma igreja ocupam o prédio onde antes funcionou por anos a agência Ford Veículos, gerenciada pelo amigo Lúcio Lima, onde também trabalhou o Sr. Dorival Canciam.
Chegamos, enfim, aos últimos dois quarteirões, aliás, dois quarteirões bem badalados da cidade quando o assunto é vida noturna e gastronomia. O restaurante Chaplin, o Doce Pastel e o Armazém, literalmente, fecham o trânsito, a partir da quinta-feira, até o final de semana. Carro novo? Tem que desfilar na rua Bahia e dar aquela passadinha no quarteirão do borogodó pra todos verem. Roupa nova, visual e cabelo novo? Tem que desfilar por lá. Encontrar os amigos do Circo, na boa companhia do Jairzinho, do Laertinho Rojo e do Valdir Cesar? - É lá também. Pena o Armazém estar fechado nestes dias da copa.
Nos sábados, as rodas de amigos se formam em volta das mesas e o fim de semana começa, relaxado, com aquela cerveja ou chope gelado.
E o resto? - Ah, o resto o gerente cobre a conta e depois a gente conversa. - Chefia! Pode trazer mais uma e manda um petisco da casa. Vai, Brasil!!

Ivan Evangelista Jr.
Membro da Comissão de Registros Históricos de Marília
Publicado no Jornal Diário de Marília em 22/06/14

Avenida Monte Carmelo

Ao recebermos visitantes de outras cidades, amigos ou parentes, sempre surge aquela vontade de mostrar alguns pontos turísticos ou que consideramos bem legais, tudo com o propósito de apresentar um bom cartão de visitas para que eles levem a melhor imagem.
Pela sua imponência e simetria, os skylines dos edifícios sempre são pontos muito fotografados, principalmente nos finais de tarde, quando o sol está se pondo e faz aquele jogo artístico de luz e contraluz, tendo como pano de fundo as nuvens coloridas. Que o digam os céus deste período de inverno... cada pôr do sol, uma pintura.
Identifiquei já há algum tempo que um destes pontos para boas fotos é a partir da Avenida Monte Carmelo, seja próximo do Hospital de Clínicas, ou mesmo nas quadras centesimais, onde o ponto de vista é mais próximo do centro comercial. Aliás, numa linha reta, sentido bairro-centro, a Avenida Monte Carmelo se findaria no prédio da Prefeitura Municipal.
É exatamente deste ponto que se tem uma vista privilegiada do conjunto de prédios urbanos, quase que numa extensão de 180 graus, onde os prédios perfilados formam uma cordilheira de apartamentos e escritórios. Não há como negar, a maioria das pessoas tem esta paixão pelo visual simétrico das construções, que numa visão simplista e comum representa o progresso da cidade, isto sem entrar no mérito da questão. Apenas uma visão poética.
No final da avenida, número 800, está a Famema, a 10ª faculdade de medicina instalada no estado de São Paulo e 47ª do Brasil. A mudança da Famema para o prédio do Convento “Carmelo Sagrada Família de Marília” ocorreu mediante assinatura de contrato de locação do prédio do convento, firmado em outubro de 1983, com inauguração das atividades em fevereiro de 1984. Antes, a faculdade funcionava junto com o Hospital de Clínicas.
O Carmelo tem construção bem característica dos ambientes religiosos, é cheio de arcadas internas, piso de ladrilho em mosaico e tem a imagem de Nossa Senhora das Graças ainda instalada no centro do pátio interno. Foi convento de dezembro de 1963 a março de 1981.
Andei por suas instalações e ainda percebi um certo ar de nostalgia, que interage com as novas atividades. As salas, também conhecidas como celas ou clausuras, hoje abrigam setores administrativos, algumas adaptadas para centros de pesquisa e laboratórios de informática. Visitei também a organizada biblioteca, construção anexa à já existente. Foi nestas andanças que ouvi algumas histórias. Uma delas conta que, em uma das salas próximas da entrada principal, havia uma espécie de balcão onde mães que não podiam criar seus filhos recém-nascidos os deixavam na entrada para que fossem encaminhados à adoção.
A torre do sino é o ponto mais alto da construção. Por cordialidade dos administradores, tive acesso ao local, porém, faltou um pouco mais de ousadia para subir os três lances da estreita escada de madeira, original, e chegar até o topo. Era desejo fotografar o sino e identificar os registros contidos em sua face externa. Sabiam disto? Todo sino de igreja ou capela, geralmente, traz gravações em sua face externa contendo informações: o santo homenageado, a ordem à qual pertence, o nome do doador e outros dados. Fico devendo esta.
A imagem de Nossa Senhora das Graças
Um outro registro bem oportuno sobre esta edificação é apontado em artigo escrito pela Dra. Maria Regina Viegas de Almeida, médica psiquiatra, membro do corpo clínico do HEM, sob o título “Hospital...Dias”. Conta-nos a doutora em seu artigo: “Nestes sete ou oito anos, trabalhando como psiquiatra no Hospital Espírita de Marília, presenciei inúmeros pacientes chegarem até mim referindo que vieram para se internar no “Hospital Dias”, ou então para se internar no “Dias”. Ao refletir sobre isso, lembrei-me da época em que eu era residente, quando o ambulatório de psiquiatria funcionava num prédio que, no passado, havia sido um Convento de Irmãs Carmelitas, e que se situava numa avenida cujo nome era Monte Carmelo; naquela época era muito comum os pacientes dizerem que faziam tratamento no “Dr. Carmelo”, ou até mesmo no “São Carmelo”. Penso nessas expressões usadas pelos pacientes como um vínculo com alguém, só que alguém muito especial do seu passado...”
Esta menção ao artigo da Dra. Maria Regina nos leva a fazer uma reflexão sobre a importância das ruas e casas onde já moramos, como referência histórica, psíquica e social em nossas vidas, refletindo, muitas vezes, na razão direta das nossas alegrias ou tristezas. Histórias do passado que insistimos em contar, até de forma repetitiva (quem convive com idosos sabe muito bem disso) para pessoas que já ouviram estas mesmas passagens por inúmeras oportunidades. São como bálsamo para a alma, onde seus atores e autores buscam reviver aqueles momentos, resgatando sons, aromas, cenários e personagens. Ou do passado, que muitas vezes escondemos nos porões da nossa vida, temendo que episódios ou períodos negativos de nossa existência possam ressurgir a qualquer momento e nos assombrar novamente.
Você, caro leitor ou leitora, já pensou nisso? Tem boas ou más lembranças das “suas” ruas?
Foi o prefeito Armando Biava quem sancionou a Lei 1.150, de julho de 1964, passando a denominação da Avenida 2, do Bairro Fragata, para Avenida Monte Carmelo. Não por acaso.
Segundo pesquisa, na história apresentada pela bíblia, o Monte Carmelo é citado como sendo o local onde Elias desconcertou os profetas Baal, levando de novo o povo de Israel à obediência ao Senhor. Foi também no Monte Carmelo que, segundo a Bíblia, Elias fez descer fogo do céu, que consumiu por duas vezes os 50 soldados com o seu capitão, que o Rei Acazaias tinha mandado ali para prender o profeta, em virtude de ter este feito parar os seus mensageiros que iam consultar Baal: Zebube, deus de Ecrom. (2 reis 1.9 a 15).

Ivan Evangelista Jr.
Membro da Comissão de Registros Históricos de Marília
Publicado no Jornal Diário de Marília em 06/07/2014

Rua 15 de Novembro

Na busca por informações para a produção dos artigos semanais publicados aqui, na nossa Revista, eu sempre procuro destacar as curiosidades e pontos que sejam interessantes, do ponto de vista histórico e turístico cultural. Fico muito feliz quando encontro pessoas que me contam histórias, mostram fotos antigas e fazem comentários que acabam enriquecendo os textos.
Aproveitando a mão de direção dos veículos, iniciei a pesquisa pelo final da rua, onde se encontra a Comasa Veículos, usados e seminovos.
Uma placa com o nome da via, instalada em frente ao prédio mencionado, ainda tem a propaganda da Antarctica.
Subindo, encontramos a Pisolejo, uma loja que, além de curiosa, é também o salva-vidas de muita gente, o Museu do Azulejo. Ao entrar no estabelecimento, temos a sensação de estar em uma galeria de artes, só que, neste caso, as telas são os revestimentos cerâmicos. Encontrar “aquele” azulejo para repor uma parede do banheiro ou da cozinha é a missão dos atenciosos comerciantes.
Descobri, também, que o salão de festas e recepções da Igreja São Miguel está quase pronto. Fruto de muito trabalho da comunidade, com promoção de festas juninas, venda de pizzas e os tradicionais bazares da pechincha, entre outras atividades para angariar fundos, o salão certamente será palco de muitas festas de casamentos e jantares.
Passamos pela garagem do Expresso Adamantina, onde até hoje os ônibus da concessionária são higienizados e inspecionados. Outro ponto de encontro tradicional de muita gente é a Casa de Sucos do Valdir, o bom baiano (E será que tem baiano que não seja bom? Duvido). O local é bem aconchegante e tem cardápios de sucos e vitaminas bem variado. Lembro do Valdir ainda na Joaquim de Abreu Sampaio Vidal, uma portinha acanhada, porém acolhedora e sempre muito visitada. Baiano não vive sem amigos, não sabe ficar quieto e gosta de prosear, enfim, o suco é a isca para cada vez fazer mais e mais amigos.
Já nas imediações do centro comercial, está o prédio do Ministério do Trabalho. Ao lado, o prédio do Departamento Regional de Saúde e, logo em frente, o Centro Espírita Luz e Verdade, fundado em setembro de 1931, e inaugurando a sede própria no atual endereço no ano de 1938. Em seu livro “Marília Sua Terra Sua Gente”, Paulo Corrêa de Lara nos relata que na inauguração do centro o espírita Hygino Muzzi Filho, por intermédio do Dr. Antonio Pereira Manhães, lançou a ideia de um hospital para doentes mentais, sob a denominação de Hospital Espírita Deus, mais tarde mudado para Hospital Espírita de Marília.
Adiante, encontramos uma das bicicletarias mais antigas da cidade, a Ciclomar, que antes funcionou por anos na avenida Sampaio Vidal, de tradicional família nipônica da cidade. Neste trecho, houve algumas transformações e reformas de prédios que revitalizaram o quarteirão. Destaque para a tradicional Peixaria Sakai, até hoje com atendimento familiar e servindo pescados da melhor qualidade.
Logo em frente à peixaria, está a residência de número 948, que por coincidência é de outra família japonesa e que também tem o sobrenome Sakai. No alto da fachada do sobrado, está o emblema da família que certamente guarda os valores essenciais. Aprendi, ainda, que “Sakai” deriva de saquê, bebida alcoólica feita de arroz, como também significa terra de montes e relevos.
Seguindo sentido ao início da rua, encontramos a empresa jornalística Jornal da Manhã, e logo adiante, o nosso Mercadão, hoje um dos centros de compra mais visitados da cidade. Tradicionalmente, no passado, foi ponto de comercialização de produtos agrícolas e de pescados, sendo a grande maioria das bancas de propriedade de nipônicos, salvo engano, membros da comunidade Okinawa de Marília.
Hoje tem variedade de gastronomia, passando pelo incomparável pastel de ovo, da pastelaria da família Hirata, tem churrascaria, loja de comidas e acessórios japoneses, comércio de ervas aromáticas e medicamentosas, peixes ornamentais, floricultura, loja vintage de discos e revistas e ainda um empório. Na frente do Mercadão está o prédio da Junta de Serviço Militar, área de segurança nacional.
Bira e os brinquedos feitos com material reciclado
Mas a surpresa maior veio mesmo foi no primeiro quarteirão, na casa de número 20, onde mora o Bira dos Brinquedos. Na garagem, encontramos algumas prateleiras com mostruário de sua arte reciclada. O Bira é filho de família circense, e seu pai, Sr. Ubirajara Elias, foi proprietário do circo Rodeio Soberano.
Por conta disso, Bira rodou boa parte da América do Sul, contou que foi palhaço até os 12 anos de idade e depois de passar por Cuba, Bolívia, Peru, Guatemala, entre outros, retornou a Marília por volta de 1995. Das madeiras que resgata de caçambas e descartes de empresas da cidade, nascem os brinquedos. São as patrolas, cavalinhos de madeira, bonecos, caminhões e fantoches de palhaços, os títeres, que na tradução significam marionetes. Ao falar dos brinquedos é notório que ele continua um palhaço de alma.
A casa onde moram os pais é de madeira, simples e aconchegante, dá a impressão que tem sempre um canto pronto para receber a visita. A oficina artesanal acaba sendo uma extensão dos cômodos, sem luxo, porém, com uma energia de bem-estar e acolhida que faz inveja aos melhores hotéis da cidade. A mãe, dona Elsa de Jesus, mineira, ainda cozinha em fogão a lenha e nas panelas de barro que não larga nem por promessa.
É assim que, nestes dias de frio, quem passar pela esquina da rua 15 de Novembro com a Presidente Vargas vai notar uma casinha com chaminé soltando fumaça branca. Ali, parece que o tempo parou, dá a impressão boa que voltamos nos anos e que a qualquer momento dona Elsa sairá pela porta da sala, com lenço branco amarrado sobre os cabelos, avental na cintura e nas mãos, um prato de bolinho de chuva coberto com canela, dizendo: “Entra, vem tomá um café com a gente”.



Ivan Evangelista Jr.
Membro da Comissão de Registros Históricos de Marília
Publicado no Jornal Diário de Marília em 01/06/14

A Avenida Sampaio Vidal (I)

Foto: acervo Comissão Registros Históricos
A coluna Raízes desta semana brinda nossos queridos leitores com mais um texto retirado do livro “Estradas e Ruas”, de Herculano Pires, editado no ano de 1943. Nesta publicação, ele fez uma reportagem lírica sobre Marília, Bauru, e da Alta Paulista.
No texto “Wall Street”, o autor descreve a pujança da economia na época dos fatos e o reflexo do comércio vibrante, na atitude das pessoas, na visão de consumo e nas fortes mudanças que a cidade já experimentava, isto ainda com 14 anos de sua fundação. Chamou a minha atenção o número de agências bancárias na época.
Como diz o meu amigo Antonio Beiro, pioneiro, bancário e radialista: “banco só vai e fica onde tem dinheiro!”.
Não é de hoje nossa vocação para ser liderança regional, não é um mero acaso nossa economia pujante, não é de hoje nosso desejo de assumir, com total legitimidade, a condição de “Capital Nacional do Alimento”.
Na próxima edição, vamos mostrar a Sampaio Vidal de hoje, da Marília mulher, que completou 85 anos de vida, com o mesmo brilho nos olhos de quando, ainda menina, encantou os corações dos coronéis do café e do algodão. Como também encantou poetas urbanos, mencionando aqui Herculano Pires, José Arnaldo, Paula Lara, Flávio Sampieri, Anselmo Scarano, entre tantos outros.

Wall Street - Herculano Pires
Três, quatro, cinco, seis carroças vêm descendo a avenida, num barulho que aturde e que ensurdece!
Carroças vazias, burrinhos lépidos puxando-as alegres, cobertos de sol, sob o céu da manhã. (Marília, - depois da guerra, onde que escondeste os teus automóveis de luxo?)
O carroção de rodas pneumáticas da “Destilaria Basta” passa chocalhando os garrafões de água clara do poço artesiano. (Dizem que água de torneira dá úlceras no estômago...)
A polaca opilada, filhinho nos braços, madrugou esmolando na “Brasserie” repleta de homens de negócio e rapazes elegantes. O Prefeito de Vera Cruz passou agora mesmo, riscando o calçamento, num automóvel bonito, que arrasta na traseira um aparelho de gasogênio da Comissão Estadual.
As crianças formigam nas calçadas largas, alvoroçadas e alegres, vestidinhas de limpeza, iluminadas de sorrisos! Nem o sol é mais claro que as suas almas contentes!
Os homens de dinheiro (Não há disso em Marília!), os homens de trabalho, audaciosos como a cidade-menina, que já passou às velhas e as moças, sobem e descem pelo burburinho da Avenida, trocando cumprimentos alegres, abraços camaradas, apertos de mãos e palmadas nas costas, sorrisos amigos e grandes propostas.
Arquivo Comissão de Registros Históricos
Os Bancos da Avenida (Banco do Estado, Brasileiro de Descontos, Comércio e Indústria, Casa Bancária Ruiz, Banco Noroeste, América do Sul, Comercial, Cooperativo Agrícola, Banco do Brasil, - esta é a Wall Street da Alta Paulista!) estão cheios de compradores de algodão, de café e de arroz, cheios de advogados e sitiantes, brasileiros, japoneses, espanhóis, polacos, portugueses, todas as raças e cores que trabalham nas terras de pau-d'alho da zona!
Que espécie de gasogênio é aquele, no automóvel verde que virou a esquina, atrás da carrocinha de leite?
As meninas de saia azul, de traje colegial, jogam bilboquê na calçada do Zico-Alfaiate, e o Carrijo atravessa o movimento da avenida, com os óculos cheios de reflexos do sol, chicoteando o cavalo esbelto da charrete.
A Avenida 10 de Novembro - coração de Marília, Wall Street da Alta Paulista, centro vivo de forças que irradia o progresso para toda região! - se eu fosse o dr. Zoroastro, que está passando, neste momento, em frente ao Bar Odeon , e que tem um horror passadista por estes versos malucos, faria um poema em teu louvor, com todas as regras da métrica, com todas as rimas da regra, com toda a beleza disciplinada da gramática, vibrando na força das palavras que pintam as coisas com o verniz da imaginação!
Mas quê, minha Avenida! você não cabe na velha poesia que cantava a Marília mineira de Ouro Preto!
Porque você não tem métrica! Nem rimas! Nem regras! Nem gramática!
“Você é uma coisa louca”, minha linda Avenida, como disse, ainda há pouco, o menino da esquina!
E só pode mesmo caber, com toda a sua vida e com toda a sua luz, nos olhos sem medidas da poesia moderna, que possuem o milagre da visão simultânea! (o texto do Herculano encerra acima, abaixo um registro sobre a denominação)
* A Avenida Sampaio Vidal sofreu modificações em sua denominação quando da administração do Dr. Aristóteles Ananias Maurício Garcia em 1939, que atendo-se à legislação da época que não permitia ser dado nome à via pública de pessoa viva, deu-lhe o nome de “Dez de Novembro” em homenagem a data do Golpe do Estado Novo. Já na administração do Dr. José Coriolano de Carvalho em 1932, este mais criterioso, conservou-lhe o nome atribuindo a homenagem à esposa do já falecido Bento de Abreu Sampaio Vidal, embora a falecida se denominasse “Maria Izabel Botelho de Abreu Sampaio, não usando o sobrenome 'Vidal'”.
Arquivo Comissão de Registros Históricos
A denominação “Dez de Novembro” não substituiu por muito tempo, tendo sido a antiga e primitiva denominação restabelecida quando da gestão do Dr. Miguel Argollo Ferrão.
Interessante saber e registrar que a principal avenida da cidade presta justa homenagem à esposa de Bento de Abreu, quando muitos acreditavam que a homenagem seria a ele dirigida.





Ivan Evangelista Jr.
Membro da Comissão de Registros Históricos de Marília
Publicado no Jornal Diário de Marília em 20/04/14 

A Avenida Sampaio Vidal (II) - A pedra

No encontro anterior, tivemos o prazer de conhecer a Sampaio Vidal sob a óptica do escritor Herculano Pires, em texto publicado no ano de 1943. Ele nos falou de uma avenida com muita gente andando pelas ruas, de carros movidos a gasogênio e de negociantes de algodão e café, que faziam da avenida o escritório para transformar colheitas próprias ou alheias em lucros e dividendos. As mesas da Brasserie, antigo ponto de encontro da sociedade, foram no passado o equivalente a Bolsa de Valores de hoje. Penso em Herculano, quando escrevia as páginas do seu livro “Estradas e Ruas”, ocupando uma destas mesas. Assim como fez o José Arnaldo, que publicou a coluna “De Antena e Binóculo”, por mais de 40 anos, tendo como ponto de observação o Bar Marrocos, na mesma Sampaio Vidal.
Inspirando-me nestes personagens, lá fui eu para a avenida, buscando sentir os novos ares e captar novos olhares. Os cafés tradicionais já não estão mais lá, apenas três ou quatro estabelecimentos que servem a tradicional bebida, porém, o serviço agora é nos balcões ou em poucas mesas internas, o que impede a boa vista das calçadas e a oportunidade de se observar o fluxo dos transeuntes.
Não, os negociadores de café, de algodão ou de outras culturas não estão mais lá. A economia da cidade progrediu, e muito por sinal, e ainda que o agronegócio esteja muito presente em nossa história, como por exemplo, a cadeia produtiva do amendoim, as rodadas de negócio acontecem em outras paragens. No lugar dos corretores de lavouras, hoje pude observar um ou outro corretor de imóveis, aqueles avulsos, sem vínculos com imobiliárias, que pelo conhecimento com proprietários de chácaras, de sítios e terrenos, acabam “mexendo” (intermediando) pequenas operações de compra e venda. Digamos que seja mais um passatempo do que necessariamente um ramo de negócio, e ainda tem a vantagem que sempre pinta uma comissão na venda. Como dizem, dá para salvar a janta.
Se não estão nos cafés, onde eles estão então? - Na pedra. Nome popular do trecho da avenida que fica entre as ruas Maranhão e Paes Leme. Não sei dizer de onde surgiu a denominação, mas é assim que o pessoal se refere quando marcam um encontro -”então a gente se vê lá na pedra em tal hora”.
Na crônica de Herculano, ele nos conta de oito bancos instalados na avenida. Na minha contagem atual, registrei 12 agências bancárias e mais 10 casas de crédito e financiamento, que pescam juntas o varejo de empréstimo pessoal.  Entre as ruas Bahia e Paraná, contei 10 farmácias e, por consequência, 20 vagas exclusivas para potenciais usuários destes estabelecimentos. Fazendo uma analogia dos fatos, podemos dizer que a saúde financeira vai bem, obrigado, já a saúde da gente anda precisando de muito remédio.
Neste trecho de maior movimento da avenida, somente duas sorveterias oferecem a oportunidade do cliente poder sentar em uma de suas mesas postas nas calçadas e ver a brisa e o tempo passarem. Será que foram os aluguéis que espantaram os pequenos  comerciantes de serviços da avenida? Sinto falta do cheiro de café passado no coador de pano, da coxinha e do pastel, fritos na hora, em óleo vegetal e não na tal de gordura hidrogenada que satura o ar, daquelas vitrines de balcão, expondo pedaços de tortas de limão e de maracujá, de bomba de creme ou de chocolate, dos sonhos e brigadeiros, e também das coalhadas e dos queijos brancos, servidos aos nacos generosos, para comer de garfo ou de mão. Do garçom gritando: “manda aí um rabo de galo no capricho”.
A casa de nº 18, esquina com a rua Floriano Peixoto, marca o início da avenida,  mas é interessante registrar que, após esta residência, a avenida segue no sentido zona sul, iniciando com a numeração 35-A, e vai até o 524-A, já no limite do viaduto que passa sobre a rodovia do contorno, início da Via Expressa.  Estes quarteirões oferecem excelentes opções de gastronomia e lazer noturno.
O número 1.900 é o final, na esquina e ponto de convergência com as ruas São Luiz, Joaquim de Abreu Sampaio Vidal e avenida Castro Alves.
Vários prédios conservam suas fachadas e histórias ao longo da avenida, alguns com boa apresentação e outros que carecem de cuidados de manutenção. É tão bom ver o centro da cidade bem conservado e colorido, assim como fizeram os moradores do Edifício Clipper, deram um “banho de loja” e o prédio se destacou como joia na paisagem urbana.
Fui recebido gentilmente no escritório do advogado Luciano dos Santos, no 9º andar do Edifício Marília, onde, no passado, entre acordes musicais de grandes orquestras e cantores, pratos saborosos eram servidos nas mesas do famoso Restaurante Marília, ocupadas pelos senhores de terno de linho e pelas senhoras de fino trato, com os cabelos penteados em coque, de luvas brancas e vestidos de cetim e rendas.
A porta do estabelecimento, de madeira e vidro, ainda está lá, com a marca do restaurante gravada em jato de areia, memória viva da história que será restaurada pelo atual proprietário.
Enquanto eu fazia os registros da paisagem de um ponto de vista privilegiado, Dr. Luciano me contou que a sua mãe, Sra. Neolinda Benetton de Souza Leão, é sobrinha do Sr. Souza Leão, fundador da cidade de Tupã e que tem passagens também pela nossa história. Ele contou que a sacada já teve o apelido de “arriba saia”, devido ao vento que sopra constante.
Descobri, ao final da pesquisa, que mesmo sem os cafés e as mesinhas nas calçadas, a Sampaio Vidal continua sendo a avenida preferida dos marilienses. No passado, abrindo as portas dos estabelecimentos nas primeiras horas da manhã, os sírios libaneses, os portugueses, italianos e espanhóis, no presente, os chineses já marcam presença e me impressiona como eles conseguem se adaptar ao meio de forma tão rápida.



Ivan Evangelista Jr.
Membro da Comissão de Registros Históricos de Marília
Publicado no Jornal Diário de Marília em 27/04/14

Avenida Euclides da Cunha

Rua tem árvores de grande porte
Com duas pistas, separadas por um canteiro central, esta rua sempre ganha a atenção da imprensa no final do ano, quando o presépio armado na sala da residência de número 439, da família Fagionato, inaugura a temporada de visitas até a data festiva do Natal. A tradição começou com o pai, Sr. Fernando, e continua sendo levada como profissão de fé pelos filhos Angélica, Clovis, Lourival, Lourdes, Carminha e Terezinha e pela esposa Tereza.
Neste mesmo quarteirão, está a residência do barbeiro Wenceslau Soares (Lau), construída pelo seu sogro José Guelfe. Lau foi funcionário da saúde, setor de prevenção da malária, durante 35 anos.

Colmeis no quintal - sustentabilidade na prática
Apicultor e defensor da natureza, ele mantém em sua residência mais de 20 colmeias de abelhas sem ferrão, um hobby, na verdade um bom pretexto para fazer e receber amigos. Ele se mudou para a avenida Euclides da Cunha em 1959, quando, segundo nos relatou, a rua mais parecia um picadão, uma estrada de fazenda, que muitas vezes para entrar ou sair com veículos era preciso pegar na enxada e fazer uns reparos.
Depois que a avenida passou a ter pista dupla, ele resolveu plantar mudas de flores e outras espécies ornamentais ao longo do canteiro em frente à sua residência, onde também mantém a barbearia há mais de 18 anos. A ação contagiou outros vizinhos e, em curto espaço de tempo, os quarteirões restantes ganharam novas mudas de flores e arbustos.
O detalhe é que todo paisagismo precisa ser planejado, mas, neste caso, não. Cada um trazia uma muda que ganhou de um amigo e o canteiro foi crescendo, em tamanho e altura das plantas. Quando se trata de via pública, com passagem de pedestres e trânsito intenso de veículos, todo cuidado é pouco. Ainda que belos, os jardins, em alguns pontos, impediam a visão dos veículos pelos motoristas que acessam as transversais. Com isso, o risco de acidentes tem que ser administrado de forma preventiva.
A Prefeitura promoveu a retirada das plantas e plantou grama. A avenida ficou mais aberta e mais segura. As plantas das calçadas foram conservadas, e encontramos por lá espécies bem curiosas, como, por exemplo, o amor agarradinho, pé de urucum (colorau), sempre carregado, que serve aos moradores e transeuntes, pitanga, que na época da frutificação sempre atrai muitos pássaros. Tem ainda a astrapeia, o  jasmim laranja e a quaresmeira, entre outras. Duas árvores da espécie Sibipiruna se tornaram habitat dos pássaros. Nesta época do ano, finalzinho da tarde, a sinfonia de pardais é um espetáculo à parte.
No passado, bem próximo da rua José Ferreira da Costa, limite final da avenida, ficava o campo de bola do Real Mariliense Futebol Clube, time de várzea que tinha como presidente o Valdyr Cesar (O Circo) e torcida apaixonada. Ao contar sobre as histórias da rua Wenceslau, buscou na memória: “Foi num destes jogos de domingo de manhã que eu vi uma cena muito hilária. O jogo tava no fim e o Real perdia no placar. O clima na torcida não era dos melhores e o centroavante do time adversário estava na mira dos mais exaltados, era o autor dos gols. Foi terminar a partida e o time da casa partiu pra cima do ‘carrasco’. Ele, por sua vez, correu em direção à minha casa e passou a mão no primeiro balaústre de cerca que conseguiu arrancar. Aí a coisa virou. Antes, eram onze correndo atrás de um, depois, era um, correndo atrás dos onze... salve-se quem puder”.
Nas quartas-feiras, desde meados de 1970, acontece na rua a tradicional feira-livre, com a presença dos produtores e de comerciantes que ajudam a abastecer casas da região com a venda de hortaliças e frutas. Tem ainda o tradicional pastel frito na hora, tem a banca de peixe da dona Maria, que vende sardinha limpa e espalmada, pronta para ir para a frigideira, tem vassoura caipira, café da roça, moído na hora, ovos caipiras e limão galego, ou seja, tem aquele saudosismo e tradição que sempre serviu às famílias dos bairros.
Para os moradores, se por um lado é um conforto ter a feira e a variedade de produtos frescos na porta de casa, por outro, há o incômodo de levantar-se às cinco da manhã, toda quarta-feira, para retirar os veículos da garagem. Caso contrário, só será possível utilizá-los após a desmontagem das bancas. Ao que tudo indica, a convivência é harmônica entre as partes.
No último quarteirão, está o prédio que já abrigou a sede da CDHU - Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano, hoje, locado para AGU - Advocacia Geral da União - Procuradoria Seccional da União em Marília.
Ainda sobre registros de curiosidades sobre a avenida Euclides da Cunha, nós temos a residência do Guelo artista, escultor e paisagista, que fez as cascatas que enfeitam os jardins da Universidade de Marília, a Associação Espírita Alves de Abreu. Ao lado desta, temos a sede da Legião da Boa Vontade e, no quarteirão seguinte, até o ano passado, funcionava um tradicional terreiro de umbanda, retrato autêntico do sincretismo religioso brasileiro.
Olhando-se do final para o começo da via, avista-se a imponente chaminé da Matarazzo, referência do desenvolvimento da nossa indústria, preservada em sua memória e majestade, para que as gerações futuras saibam da sua história.

* Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha, engenheiro, escritor de “Os Sertões”, dentre outras obras. Foi comissionado pelo jornal “O Estado de São Paulo”, para acompanhar e descrever a Campanha de Canudos.

Ivan Evangelista Jr.
Membro da Comissão de Registros Históricos de Marília
Publicado no Jornal Diário de Marília em 04/05/2014

A rua 4 de Abril

Aproveitando os festejos e comemorações do aniversário da cidade, vamos falar sobre a rua 4 de Abril, resgatando algumas memórias e trazendo novos comentários. Fiz o caminho seguindo do final para o começo, mesmo sentido de direção do trânsito de veículos. Fiquei por alguns minutos parado ali na esquina com a rua Piratininga, observando o cenário do centro da cidade, e talvez por estar com a máquina a tira colo, não foram poucas as pessoas que me abordaram, perguntaram e acabaram trazendo alguma contribuição para a produção do artigo.
Gilberto Zochio, empresário da Hidráulica Paulista, foi um deles. Assim que trocamos algumas palavras, muito atencioso, ele foi até o escritório e me presenteou com algumas imagens antigas do prédio. Originalmente, o prédio foi máquina de beneficiamento de café. Antes de se tornar o comércio de produtos para hidráulica, abrigou um animado centro de dança e diversão, salvo engano, o Forró e Danceteria Realejo.
Seguindo sentido centro, ainda está a casa (hoje imóvel comercial) onde residiu o deputado Diogo Nomura, esquina com a Campos Sales. Notamos que poucas mudanças ocorreram na paisagem urbana desse trecho, destacando a preservação e o charme da fachada da residência na esquina com a rua José de Anchieta. Passamos pela 1ª igreja Presbiteriana Independente e chegamos ao antigo prédio da Telesp, hoje Telefônica. A fachada permanece a mesma.
Neste ponto da via, um destaque especial para as belas instalações da Bagueteria Orly, já tradicional ponto de encontro dos marilienses, cartão de visitas da cidade e onde também encontramos fotos antigas expostas no salão de refeições. A decoração interna reúne um misto de modernidade com saudosismo, e o proprietário Mário Bozo, ao lado da esposa, além da excelente qualidade dos produtos, cuidam com carinho especial dos clientes. Com a marca da empresa, produziram sacolas de tecido com fotos antigas impressas, um souvenir de extremo bom gosto para quem deseja presentear amigos ou levar uma lembrança de Marília.
Olhando através das vidraças, eu me lembrei do consultório do Dr. Alfredo Haber, dentista, que durante anos manteve seu consultório na esquina com a rua Paes Leme. Figura das mais simpáticas, ele e o irmão, Dr. Adib, médico, ambos espíritas, sempre envolvidos no amparo e atendimento dos mais carentes. Subi a rua, mentalmente, e vi o Cine Pedutti e o implacável comissário de menor Zé Maria, terror da molecada que insistia em entrar nos filmes proibidos para menores de 18 anos. Tem carteirinha? Então, mostra aí!
Agora vêm a velha pensão, esquina com a rua Prudente de Moraes, e a Casa Econômica, da primeira agência da Poupança Continental, do outro lado da esquina, aquela que distribuiu cofrinho que já vinha com uma moedinha de um centavo dentro. É a partir deste ponto, ou seja, da esquina com a rua Prudente de Moraes, que o comércio se tornou mais vibrante, se modernizou. Depois que a clínica do Dr. Hilário Maldonado foi transferida para a avenida das Esmeraldas, vieram as reformas e novas lojas enfeitaram o lado esquerdo da rua. No lado direito, década de 1960 em diante, a Pastelaria do China era o “ponto do mata fome”. Quem não comeu o pastel de palmito do China (que todos juravam que tinha bucho de boi moído junto para engrossar o recheio) não sabe o que é bom. Ao lado, era uma loja de venda de LPs e de fita cassete, tocada por três irmãos que, literalmente, dominaram o comércio neste segmento por muito tempo. Sob encomenda, eles copiavam as músicas dos LPs para as fitas cassetes em tempos que isto era proibido. Quem não mandou gravar uma fita com a coletânea dos sucessos preferidos que atire a primeira pedra.
Na esquina com a Nove de Julho, o prédio que preserva a fachada e alguns detalhes internos originais, guarda a memória da primeira Câmara Municipal de Marília. Já há alguns anos, no auditório onde ocorriam as sessões (piso superior) funciona jogo de bilhar. Na parte do piso térreo, a lotérica, que foi dirigida por muito tempo pelo João Presumido, outro personagem que marcou sua trajetória na sociedade mariliense pelas amizades e bondade.
A Associação Comercial manteve sua sede na quadra seguinte, por anos, e atendeu muito bem a comunidade até a mudança para o novo endereço. Muitas decisões importantes relativas ao comércio da cidade foram tomadas em assembleias realizadas no pequeno auditório que ficava no primeiro andar. Em frente, está o 1º Tabelião de Notas e Protestos de Letras e Títulos de Marília, sob a direção de Luiz Carlos Martin Morilhas (o Brasa) desde 1985.
Um pouco mais adiante, a antiga (3ª) sede do Marília Tênis Clube, que já esteve instalado na Sampaio Vidal. Hoje funciona a Coletoria e Inspetoria da Fazenda do Estado de São Paulo.
Além da quadra entre a rua Dom Pedro e Cel. Galdino, havia mais uma, que passava atrás da Praça Saturnino de Brito, chegando até a avenida Sampaio Vidal, esquina onde residiu por anos a família Botino. Este trecho da rua foi suprimido para ampliar a praça, fato que não deu muito certo, porque o número de veículos que circulam e estacionam sobre o calçamento é algo que não tem cabimento, não respeitam o espaço do cidadão. Ou é praça, ou é rua, hoje é bagunça.
Depois disso tudo, só fechando os olhos e tomar uma gelada no Bar Bambu, do Mourão, comendo um sanduíche de pão com queijo e carne, feito na chapa. Afinal, sonhar não custa nada, e já são quase 18 horas, o footing das meninas de saia rodada e plissê está começando. Parabéns, Marília, minha e de todos nós. 85 anos de felicidades.

Ivan Evangelista Jr.
Membro da Comissão de Registros Históricos de Marília
Publicado no Jornal Diário de Marília em 06/04/14

Avenida Gonçalves Dias

Foi a florada da Paineira, plantada na rua Maranhão, esquina com a reta final da avenida Gonçalves Dias, a inspiração para escrever sobre a via que homenageia Antonio Gonçalves Dias, poeta brasileiro, nascido em Caxias, no Maranhão, em 1823, e falecido em 1864. Era indianista, identificando e louvando nos seus poemas os costumes e tradições das populações indígenas do Brasil. Entre eles, está ‘Canção do Exílio’, poema que fez parte dos estudos no ensino primário e que muitas vezes era apresentado na forma de jogral com a participação de colegas.
Apreciando a paisagem florida, voltei-me para o prédio que durante muito tempo abrigou os plantões policiais e a antiga cadeia de Marília. Nas entranhas da memória, fui parar no balcão da cantina do Josué, no pátio interno da delegacia, onde ele e suas filhas atendiam e serviam o melhor café da região, sempre com muita simpatia. No corredor, mais adiante, ficava o gabinete do Dr. Lourival Luiz Viana, delegado seccional. O movimento de pessoas que buscavam os despachos era algo impressionante.
Em fevereiro de 1945, a delegacia de polícia de Marília foi elevada à categoria de 2ª classe, sendo criada e instalada a Delegacia Regional, dividindo, neste endereço, espaço com as outras duas delegacias que já atendiam a população.
Na entrada lateral do prédio, havia um banco de madeira onde ficavam as pessoas que aguardavam a vez para fazer o boletim de ocorrência. Numa sala contígua, sempre lotada, guardavam aparelhos de som, brinquedos, eletrodomésticos, os toca-fitas e outros produtos recuperados de furto. No pátio externo, uma quantidade sem fim de bicicletas, algumas inteiras e outras aos pedaços, tudo material de furto. Neste período da história, as “magrelas” tinham chapa, assim como os veículos, o que facilitava a localização dos seus proprietários.
Nos finais de semana, a fila dos parentes dos presos se formava na frente da delegacia, esperando a hora da visita. Nos plantões, lembro-me de alguns nomes de delegados: Dr. Sandoval, Dr. Yoshiaki Suguimoto, Dr. Roberto Tucunduva, Dr. Gastão Monteiro Puga, Dr. Waldemar Cortelini, entre outros. Na porta de entrada principal, ficava o motorista “Nelson do sapato branco”, figura folclórica dos meios policiais e muito conhecido na cidade, sempre atento e batendo papo com os jornalistas que faziam o expediente do plantão policial.
Joaquim é o barbeiro voluntário
Do outro lado da rua, está o Centro Espírita Luz, Fé e Caridade, sendo que o terreno em que se encontra a edificação foi doado por Bento de Abreu Sampaio Vidal, a pedido de um grupo de espíritas, por intermédio do Sr. Alfeu Cesar Pedrosa, do Sr. Paulino da Silva Lavandeira e do Sr. Antonio Manfredini (1928). A fachada do prédio está preservada e a construção conta com amplo salão para conferências, biblioteca e departamento de evangelização, e desde aquela época, até os dias de hoje, a casa mantém o atendimento aos mais necessitados, com o apoio de voluntários para preparar e servir diariamente a sopa, serviços de barbearia, banho e higiene pessoal e troca de roupas, ações fraternas sempre acompanhadas de uma boa acolhida e de orientação espiritual, ou seja, um consolo, uma palavra amiga, uma mão estendida aos que vivem nas ruas.
Contígua ao Centro Espírita, está a sede da 31ª Subsecção de Marília da Ordem dos Advogados do Brasil, fundada em janeiro de 1940, instalada inicialmente no prédio do antigo Fórum, na rua Bahia, passando posteriormente para a sede própria na rua Gonçalves Dias, 440, inaugurado em novembro de 1982.
No mesmo quarteirão, encontra-se o Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento, denominado Tattwa Inteligência, Amor e Vida, entidade que, segundo informações do site institucional, tem o propósito de estudar as forças ocultas da natureza e do homem e promover o despertar das energias criadoras latentes no pensamento humano. A fachada é bonita e, apesar de estar um pouco afastada do alinhamento da calçada e protegida por grades, pode ser observada pelos transeuntes. O prédio recebeu cuidados de manutenção recentes, destacando-se na porta de entrada principal o emblema da instituição. Fato à parte, mas interessante, é saber que o pai do artista Ronnie Von, Sr. José Maria Nogueira, foi presidente da mesma entidade, na cidade de São Paulo.
Outro ponto de encontro dos marilienses, também na mesma quadra, é a Agência de Despachos Policiais Bozano, denominação comercial que surgiu da fusão dos nomes dos seus fundadores, Aristeu Dalaqua Borba e Manoel Manzano, desde janeiro de 1970. O escritório fez tradição ao longo dos anos e, devido ao atendimento diferenciado, boa receptividade e amizades dos seus dirigentes, continua em plena atividade, sendo a visita o pretexto inicial de algum serviço ou informação para, logo em seguida, um cafezinho amigo nas imediações. Dizem as boas línguas da cidade que as melhores pescarias nasceram a partir destas conversas e encontros na agência, hoje conduzida pelo Borba e pelo José Álvaro Abdala Goes (Tuca).
No nº 257 está o belo prédio do Cartório de Registro Civil de Marília, com excelentes instalações e serviços informatizados, sob a direção do sucessor e Oficial Antonio Francisco Parra, sendo o titular inicial o Coronel Rodolpho Negreiros.
A rua Gonçalves Dias começa na rua Floriano Peixoto, com a casa nº 6, sendo que dali para baixo, sentido centro-bairro, é o início da rua Professor Francisco Morato. Neste trecho, é notória a mudança na paisagem urbana e os investimentos que vêm acontecendo ao longo dos anos. Foram construídos dois prédios residenciais (Ed.Viena e Ed. Saint Raphael), aproveitando a tranquilidade e boa localização do bairro. Onde antes havia um enorme bosque, em terreno que faz fundos com a via, já se erguem as primeiras colunas e paredes de futuro prédio residencial de grande porte. Considerando os pontos positivos que contam nos quesitos de valorização urbana e territorial, não restam dúvidas de que em breve se tornará mais uma das áreas nobres da cidade, com a vantagem da proximidade com o centro comercial e um rol privilegiado de bons restaurantes e vida noturna nas imediações.
Bom registrar que ali já foi uma região de chácaras. Lembro-me que nas proximidades havia um horticultor japonês que, além das verduras, vendia ramalhetes de flores “Copo de Leite”, muito utilizada na ornamentação residencial. Pés de jabuticabas, de jambo, bananeiras de fundo de quintal, parreiras de uva e pitangas, ainda denunciam estas lembranças do passado. Placas de identificação ao longo do trajeto identificam a via de duas formas: ora como rua e outras como avenida. Ficamos com a segunda forma.

Ivan Evangelista Jr.
Membro da Comissão de Registros Históricos de Marília
Publicado em 23/03/14 no Jornal Diário de Marília

Avenida Nelson Spielmann (antiga avenida Brasil)

Na sua extensão de quase 2 km, entre a rua Bahia e a avenida Castro Alves, a avenida Nelson Sipelmann é uma daquelas vias da cidade que ainda guarda parte da nossa história e, ao mesmo tempo, apresenta sinais de modernidade. Podemos dizer que as intervenções urbanas que geralmente transformam a paisagem original são de pouca ocorrência, salvo um prédio residencial aqui, outro acolá, e algumas fachadas de escritórios de contabilidade que já optaram por uma apresentação diferenciada.
Ao patrono, o Sargento Nelson Spielmann, personagem mariliense histórico que participou da Revolução Constitucionalista de 1932, a homenagem da comunidade está “simbolizada” no monumento instalado nos jardins da Praça Maria Izabel, fundos da igreja São Bento. Utilizei as aspas porque do conjunto do monumento restaram apenas as pedras.
Na versão original, havia um capacete de aço, a capa e outros acessórios utilizados nos combates pelos soldados voluntários, sobrepostos a um pedestal de granito, com a seguinte mensagem: “A Nelson Spielmann, Paulista e herói - Seus amigos”. Consta no livro “Marília, Marcos e Monumentos”, de Paulo Corrêa de Lara”, que o capacete foi trazido do Cemitério da Saudade, onde estava sepultado, na data em que os restos mortais do herói foram transladados para o Monumento do Ibirapuera, em São Paulo. Se decidir visitar o local do monumento, em frente, aproveite para conhecer também a antiga morada dos párocos que ficaram responsáveis pelo trabalho na Catedral Basílica de São Bento, hoje sede da secretaria paroquial. A fachada está conservada e exibe no alto uma grande concha (Vieira), ladeada por mais duas conchas pequenas. Pesquisei para entender o seu significado para a teologia e localizei uma explicação muito interessante.
Santo Agostinho encontrou um jovem na praia, que com uma concha procurava colocar toda a água do mar num buraco cavado na areia. Perguntou-lhe o que fazia e, tendo obtido a resposta, explicou-lhe a sua vã tentativa. Foi assim que Santo Agostinho compreendeu a referência ao seu inútil esforço de procurar fazer entrar a infinidade de Deus na limitada mente humana. Está aí expresso um convite ao conhecimento de Deus, o que denota certa coerência na condução da linha de pensamento, uma vez que a igreja está na frente da casa paroquial. Ao lado direito deste prédio, está a sede da Cúria Diocesana de Marília.
Na mesma região, outro ponto que merece visita é o prédio do Senac. As árvores plantadas na calçada da avenida escondem o belo painel de ladrilhos. Inaugurado em 12 de abril de 1958, o edifício do Senac foi projetado pelo arquiteto Oswaldo Correia Gonçalves. É exemplar representativo da arquitetura moderna paulista, baseada nos princípios do funcionalismo e racionalismo de Le Corbusier.
Destacam-se, na edificação, além da cobertura de laje plana, sem telhado, a movimentação dos espaços com a criação de pátios e jardins, os apliques e detalhes originais, revestimentos de pastilhas e ladrilhos hidráulicos e a caixilharia, todos característicos da nova maneira de projetar.
Na mesma quadra, do outro lado da rua, por anos funcionou a escola de datilografia Esmeralda, no passado, curso obrigatório para quem desejava ingressar no mercado de trabalho. Ainda estão frescas na memória a sequência das minhas lições, começando pelo A, S, D, F, G, com o detalhe de se utilizar, necessariamente, todos os dedos, em suas devidas posições, no teclado das Olivettis e Remingtons. Admiro esta moçada, a geração “x” e “y”, digitar tão bem e tão rápido os seus samartphones e tablets, utilizando os dois polegares! Clicou, enviou.
E, continuando nossa visita, pergunto: quem dos leitores nasceu ou tem parentes nascidos na Gota de Leite “Maria Izabel”? Um merecido destaque pela conservação do prédio e o trabalho social voluntário da cidadã Virgínia Balonni, mais a equipe de voluntárias que lhe dá suporte.
Anote esta em sua agenda. No dia 13 de junho, em sessão solene na Câmara Municipal de Marília, o Colégio Sagrado Coração de Jesus receberá homenagem pelos 80 anos de instalação na cidade. Atuando na educação de jovens e crianças, o Colégio conta com um observatório de astronomia (sim, temos um laboratório de astronomia em Marília) e o amplo teatro que vem sendo bastante utilizado para apresentação de shows e eventos, acolhendo inclusive a 29ª Noite dos Pioneiros.
Já nas quadras finais, onde temos os muros dos fundos da indústria Matarazzo, no dia da visita para a pesquisa, encontrei o amigo Antonio Carlos Farah, o Farah da Caixa Estadual, como é mais conhecido. Ele contou muitas histórias que merecem um capítulo à parte. Antes do prédio do antigo Zillo, restam quatro residências com moradia de famílias.
A sua mãe, Sra. Genny Pereira Pinto, 84 anos, mudou-se para a casa de nº 1.978 no ano de 1935. Eram 10 casas iguais, onde moravam funcionários da Matarazzo e da Zillo. Lembrou ele do Sr. Vitório Vani, que veio de Lençóis Paulista para montar o maquinário da Zillo. Mencionou também os irmãos Gritcher, sendo um deles o atual comandante do 9º BPM-I, tenente coronel PM Marcos César Gritcher Leite. Lembrou de Josimar Carvalho Pinto (Transportadora Carvalho Pinto) e do avô Sebastião Pereira Pinto, que veio de Minas Gerais fugido da revolução do integralismo.
Neste mesmo quarteirão, no cruzamento da linha férrea, tem um prédio em forma de bico, onde já funcionou a fábrica de casquinha Havana, do pai do Sr. Marcos Confort, e a fábrica de saquinhos de papel São Luiz.
E, antes de encerrar, é preciso registrar a presença histórica na mesma via da Comercial Garcia, da sorveteria Kapillé, a melhor da praça São Bento. Quem já provou sabe que é a melhor. E tem, ainda, a bela arquitetura da Igreja Metodista, inaugurada em agosto de 1930.
Por estas e outras que, certamente, não foi possível resgatar neste trabalho inicial é que a avenida Nelson Spielmann merece a sua visita com um olhar mais acurado. Marília tem história, Marília tem turismo cultural da melhor qualidade. É uma questão de garimpo.

Ivan Evangelista Jr.
Membro da Comissão de Registros Históricos de Marília
Contatos: evangelista@univem.edu.br
Publicado no Jornal Diário de Marília em 08/06/14

Avenida Hygino Muzzi Filho

A passarela “Paulo Corrêa de Lara”, instalada sobre a rodovia SP 333, também conhecida como rodovia do contorno, é o marco inicial da Av. Hygino Muzzi Filho, principal acesso aos campi universitários de Marília. No sentido centro-bairro, temos em primeiro a Fundação de Ensino Eurípides Soares da Rocha, mantenedora do Centro Universitário Eurípides de Marília - Univem; em seguida, a Universidade “Júlio de Mesquita Filho”, a nossa Unesp; logo adiante, a Universidade de Marília, a Unimar, mantida pela Associação de Ensino de Marília.
Considerando os cursos de graduação, de pós-graduação e os mestrados oferecidos por estas três instituições, temos ali o maior complexo educacional da cidade. Todo este conjunto gera um movimento de pessoas e de negócios, principalmente na área de serviços, que são “puxados” pela demanda das atividades acadêmicas e, também pelos moradores, a maioria universitários, que se instalaram na mesma região.
Além da formação profissional, do conhecimento e da pesquisa, estas instituições geram uma infinidade de serviços para a comunidade, que impactam diretamente nos índices de desenvolvimento econômico e social do município e do país. Podemos apontar, de imediato, as bibliotecas, os espaços de cultura e de lazer, que são de livre acesso para a comunidade, com a vantagem de que estão abertas nos três períodos, durante a semana, e aos sábados, manhã e tarde.
É interessante destacar que as bibliotecas das universidades oferecem, além dos livros didáticos, um acervo muito variado de publicações que são de interesse cultural. As revistas semanais e os jornais, por exemplo, que geralmente têm um custo relevante no orçamento familiar, podem ser lidos com todo o conforto nestes espaços. Há, ainda, os periódicos, publicações especializadas por áreas e assuntos que, muitas vezes, nem imaginamos e estão ali, ao nosso alcance, prontos para contribuir para a melhoria da nossa performance profissional e para o enriquecimento cultural.
Abro parênteses neste ponto para dizer que as bibliotecas, de um modo geral, deveriam ser mais exploradas pela comunidade, e não só pelos estudantes universitários. Há um mundo de saber e entretenimento a ser conhecido em cada uma delas. Hoje, além dos livros impressos, todas contam com acesso ao mundo virtual, aos e-books, aos museus, aos melhores e maiores centros de pesquisas do mundo, às imagens, em tempo real, dos telescópios e câmeras que sondam o universo, mostram o movimento das grandes metrópoles ou das savanas, onde os animais selvagens nem pensam que estão sendo observados por pessoas do mundo todo. Digo aos amigos que as bibliotecas, vistas por esta amplitude de visão, há muito deixaram de ser espaços exclusivos dos acadêmicos e docentes para se tornarem a Disneylândia cultural da comunidade. E nós, marilienses, temos o privilégio de contar com excelentes conjuntos.
Se olharmos pelo lado dos eventos, seminários e congressos, dos encontros profissionais e palestras, entre outras ações, a Hygino Muzzi é o maior centro de convenções da cidade. No Univem, são dois auditórios: o “Aniz Badra”, com capacidade para 700 pessoas, e o “Shunji Nishimura”, para 180 pessoas. Na Unesp, o “Anfiteatro I”, com 150 lugares; na Unimar, o auditório “Sra. Filomena Ottaiano Losasso”, que comporta 600 pessoas. A quantidade de eventos que acontecem em cada um deles, durante o ano todo, é algo que merece ser registrado e mensurado nos índices de informações oficiais sobre o município. É o denominado “turismo cultural e de eventos”, ações que podem durar até uma semana, ou acontecer em um dia, mas que movimentam uma série de outros negócios, diretamente impactados pela concentração de pessoas. Numa rápida relação, apontamos: os serviços de fotografia e filmagem, a imprensa, as gráficas, os serviços de alimentação (coffee break), a gastronomia na cidade, taxis e vans, locação de equipamentos, decoração, os salões de beleza e as lojas de venda e aluguel de confecções e trajes sociais (consideremos o número de formaturas a cada ano), entre outros.
Na Hygino Muzzi, tem ainda a “Praça Pau-Brasil”, aquela da rotatória que dá acesso ao jardim Acapulco. Por acordo entre a prefeitura e o Univem, a praça foi “adotada” pela instituição de ensino, que providenciou de imediato o plantio de 60 mudas da espécie pau-brasil, ipês e ingazeiros, e alguns flamboiam de jardins, fazendo ainda a manutenção regular do gramado. Hoje, as árvores já estão mais vistosas e o novo paisagismo agradou aos moradores e visitantes do campus, um belo cartão de visita que prioriza a sustentabilidade e o bem-estar das pessoas.
Ao lado da praça, fica um dos reservatórios do Daem, com capacidade de 1.500.000 litros, que ajuda a manter o abastecimento de água tratada para a nossa comunidade, vinda direto da Estação de Tratamento do Rio do Peixe.
Para completar a apresentação da via, destacamos as áreas verdes formadas pelos jardins das universidades, cada qual com suas peculiaridades, formando uma reserva natural que sempre brinda os visitantes com flores coloridas e aromas agradáveis e também enigmáticos. Nos dias de chuva, por exemplo, espalha-se o perfume do pau d'alho, árvore que fica no terreno da Unesp. Da mesma forma, nos jardins da Fundação, chamam a atenção o mar azul e a harmonia  da florada dos agapanthus, a vibração intensa da cor laranja dos lírios, as estrelissas, os hibiscos  e a sutileza das flores dos pés de “barba de bode”.
Hygino Muzzi Filho nasceu em Macaé - RJ. Chegou em Marília em 1928, instalou a “Alfaiataria Carioca” e, depois, a casa comercial “Nova América” (na rua Prudente de Moraes).
Filantropo, foi o idealizador e construtor de várias obras assistenciais da cidade: Associação Filantrópica de Marília, Hospital Espírita de Marília, Creche “Ignácio de Loyola Torres”, Fundação de Ensino “Eurípides Soares da Rocha” e outras mais, além de fundador e construtor do Climático Hotel de Campos Novos Paulista. Faleceu em 12 de novembro de 1974.

Ivan Evangelista Jr.
Membro da Comissão de Registros Históricos de Marília
Publicado no Jornal Diário de Marília em 18/05/2014