terça-feira, 19 de agosto de 2014

A Avenida da Saudade

No ano de 2004, a famosa agência de notícias BBC, de Londres, publicou interessante artigo sobre uma lista de dez palavras consideradas as mais difíceis de se traduzir. A lista foi elaborada pela empresa Today Translations e, segundo a nota, contou com a participação de mil tradutores profissionais para chegar ao resultado final, onde a “saudade” ficou em sétimo lugar no ranking.
Ao elencar as palavras, os tradutores tiveram a preocupação de procurar traduzir a real sensação ou significado da palavra, segundo as tradições culturais dos povos. Na língua portuguesa, “saudade” é um sentimento nostálgico que se traduz por sentir falta de alguma coisa ou de alguém.  Segundo relatos, é uma das palavras mais frequentes nas poesias, nas músicas românticas e no Brasil, a origem de sua utilização está no sentimento que os portugueses navegantes expressavam em relação à sua pátria e dos familiares e amigos que deixaram na terra mãe.
Aqui em Marília, nós temos o Cemitério da Saudade, também conhecido popularmente como “campo santo”, localizado na região oeste e que, certamente, deu origem ao nome de uma das principais avenidas, hoje corredor obrigatório para o Campus Universitário e para novos bairros que foram surgindo com a expansão geográfica da cidade.
O fato de que os cemitérios eram, aqui, como em outras localidades, a ponta da linha da cidade, já foi superado há muito. Hoje, estão praticamente incorporados ao contexto urbano, caso de Marília e do Cemitério da Consolação, em São Paulo, dois exemplos bem práticos.
E, já que um dos propósitos desta coluna é resgatar memórias sobre as ruas da cidade, a origem dos nomes, sobre instalações que possam ser visitadas e pontos turísticos, vamos curtir um pouco o lado não tão triste assim do cemitério. Mas existe um lado que não seja triste sobre local onde nos despedimos derradeiramente das pessoas que amamos?
Monumento homenageia imigração
Sim, existe. Estamos falando do contexto artístico que está encerrado entre as sepulturas e vielas, um conjunto de expressões culturais, nas mais diversas formas, que representam o sentimento de saudade dos familiares em relação aos seus entes queridos. Na edição do primeiro guia de roteiros turísticos da cidade de Marília, publicado no ano de 2000, eu sugeri aos leitores conhecerem a pinacoteca a céu aberto instalada no mesmo local.
Obras de arte enfeitam o local
No capítulo em que comento sobre a arte sacra na cidade, menciono as obras da Irmã Laurinda Paulin, apóstola do Colégio Sagrado Coração de Jesus, que além da dedicação à vida religiosa, durante um período de tempo do seu trabalho em Marília recebeu encomendas para pinturas de painéis artísticos para ilustrar as lápides, a maioria pintada em peças de azulejos, os afrescos. Num breve levantamento feito na época, identifiquei mais de sessenta de suas obras, reproduzindo passagens bíblicas e imagens sacras.
Fora as obras da Irmã Laurinda, um olhar mais curioso vai encontrar muitas outras pinturas de autores diversos, uma série de esculturas em bronze, cimento e mármore, com assinaturas de artistas renomados, porém, por estarem num cemitério, e não em um museu ou galeria, ficam quase que anônimos. Há também trabalhos de serralheria artística, adornos e portas de capelas produzidos com material nobre e ricos em detalhes, como já foi um costume de época. Hoje, com os constantes furtos os túmulos são mais simples.  
Num quarteirão próximo ao cemitério, sentido ao centro, havia uma máquina de beneficiamento de arroz, onde estão instaladas oficinas de funilaria e mecânica, duas igrejas, e dois estúdios de TV a cabo da cidade, a TV Marília e mais outro canal que começará a transmitir a partir do mês de agosto, sob a direção do experiente profissional Jurandir Zangaro.
Na esquina com a avenida Rio Branco, o famoso Posto Genezini, que esteve durante muitos anos sob o comando do saudoso Delpho Genezini. Delpho foi pioneiro investidor na Vila Jardim e cidadão muito querido em nossa comunidade, era membro honorário do “8º Quarteirão de Amigos”, e tinha como marca registrada o bordão “Viva a vida!”, frase que expressava com frequência nas rodas de amigos.
Na rotatória localizada em frente ao posto, confluência das avenidas Rio Branco, da Saudade e da Rua Cedral, foi plantado um ipê branco, bem em frente a casa onde ele morava. Entre tantos outros ipês da mesma espécie na cidade, este é sempre um dos primeiros a anunciar a chegada da temporada dos brancos e brinda os transeuntes com uma copa de flores que é o cartão de visitas nos finais de tarde, tendo ao fundo, a contraluz do sol poente.
E, com o passar dos anos, a avenida vai ganhando novos investimentos e novo visual, atraindo comércio diversificado que impulsiona o desenvolvimento da região. Atualmente, a loja âncora deste processo é o Supermercado Florentino, que está ampliando as instalações e área de estacionamento devido ao grande movimento.
Como todo bairro tem seus atrativos de fim de tarde, bem próximo do supermercado, debaixo da copa de um grande ipê roxo, o Tonhão, vendedor de espetinhos, todos os dias, atrai um grupo de fiéis seguidores de sua culinária de beira de esquina. Coisa de Brasil mesmo, que sempre fez sucesso. Aqui ou em grandes capitais, os famosos “churrasquinhos de gato”, como são batizados popularmente estes pontos, têm esta magia cultural popular de reunir pessoas para saborear um petisco, tomar cerveja e rasgar conversa fora sobre três assuntos preferidos dos brasileiros: futebol, política e religião, pela ordem. - E mulher, se esqueceu? Esqueci não! Mulher, principalmente se for a do próximo, é pauta permanente nas rodinhas.    
O detalhe é que iluminação da churrasqueira é uma lanterna de mão; e não pensem que o movimento é pouco, se chegar tarde, corre o risco de perder a oportunidade de experimentar a gastronomia  local. Espeto de carne, frango, linguiça, franbacon, kafta, pernil, a escolha é do freguês.  É como diz um amigo: “Se tem velório de boi, pode me chamar que eu vou e choro de saudade”.

Publicado no Jornal Diário de Marília, em 10/08/2014

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