domingo, 12 de outubro de 2014

Os inconfidentes em Marília, acaso ou causalidade?

Na produção destes artigos semanais, sigo algumas rotinas que ajudam a compor o resultado final. A rua que será o alvo da próxima publicação pode surgir por vários caminhos: sugestão de amigos mais próximos, sugestão dos leitores, encontros casuais ou a simples observação urbana, a paisagem, os prédios históricos, uma árvore ou jardim diferente... e a inspiração vem em seguida.
O passo seguinte é buscar os arquivos da Comissão de Registros Históricos e da Câmara Municipal de Marília, sempre contando com a colaboração e simpatia dos amigos Wilza Matos e Paulo Colombera. Levantamos leis e outros documentos arquivados, que sempre ajudam a produzir informações curiosas sobre a via, resgatando datas e personagens que participaram da história. Percebemos que, uma vez o fio da meada puxado, seguindo os rastros históricos, identificamos o autor da propositura, as justificativas da indicação, período e o nome do prefeito em cuja gestão aconteceu a indicação e mais alguns dados.
Quando o assunto é coletivo, como foi o caso das ruas que receberam nomes indígenas, chegamos aos mesmos personagens, porém, sempre fica uma pergunta: por que um determinado conjunto de ruas de um bairro recebeu do seu criador nomes que estão relacionados àquela temática? Exemplos práticos: o que inspirou o idealizador da Vila Jardim a colocar nomes de flores nas ruas? No bairro Aquarius, seria o lago o centro da inspiração para que as ruas tenham nomes de peixes? Sabemos também que foi o livro ‘Marília de Dirceu’, de Tomaz Antonio Gonzaga, que inspirou Bento de Abreu na escolha do nome da cidade.
Pois bem. Conjecturas à parte, num destes diálogos com a colega Wilza, ela me fez a sugestão para escrever sobre as ruas que têm nomes de personagens e poetas ligados ao episódio histórico da Inconfidência Mineira. São eles: Cláudio Manoel da Costa, Alvarenga Peixoto e Tomaz Antonio Gonzaga.  Estas ruas estão localizadas no bairro Cascata, e a curiosidade sobre o assunto não para por aí não. Tem ainda a Rua 21 de Abril, em homenagem a Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, enforcado nesta data, por envolvimento nos episódios de organização de ações com vistas à Independência do Brasil, sendo que esta via é transversal a todas as demais.
E aí o cenário se completa quando nos dirigimos no sentido bairro-centro. Depois de passar por todas elas, chegamos à Rua da Liberdade. Diga-me, leitor amigo, seria casualidade ou causalidade? É certo que a segunda opção é a mais correta; tudo foi muito bem pensado. Tem história por detrás da própria história, tem recados e pistas que podemos seguir, descobrindo nossa cidade com outros olhos e olhares.

Praça Tiradentes - Ouro Preto
Tive a alegria de conhecer as cidades históricas, visitei museus e centros culturais onde estes nomes surgem a todo momento e são literalmente reverenciados, visitei a cela onde Tiradentes passou seus últimos dias, assim como, na mesma oportunidade, ouvi pelas bandas mineiras a história de que foi um vizinho seu de cela, um personagem desconhecido, o enforcado e esquartejado no lugar de Tiradentes, enquanto ele teria sido levado para outro local, acobertado em carroça de lenha e capim. E completou o relator anônimo: “Coisa da maçonaria da época, que era muito influente e conseguiu mexer os pauzinhos para privar sua vida”.
Claudio Manoel da Costa foi advogado, fazendeiro abastado, cidadão ilustre, pensador de mente aberta e amigo do Aleijadinho, a quem teria possibilitado o acesso às bibliotecas clandestinas na época dos fatos. Há quem afirme ter tido ligações com os illuminatti, sociedade secreta de cunho iluminista, que teria influenciado várias revoluções. Morreu em circunstâncias obscuras, em Vila Rica, em 4/07/1789. Oficialmente, teria cometido suicídio por enforcamento na prisão.
Inácio José de Alvarenga Peixoto, advogado, também adepto do iluminismo, assim que denunciado, preso e julgado, foi deportado para Angola, onde faleceu. Investiu boa parte de suas finanças para a abertura de um canal de cerca de 30 quilômetros para abranger as melhores minas de ouro do arraial, período em que se envolveu com dívidas e impostos não recolhidos.

Interior da casa de Gonzaga 
Tomaz Antonio Gonzaga, por sua vez, é personagem muito conhecido de todos nós marilienses e tem envolvimento direto na história da cidade. Visitei a edificação onde ele morou em Ouro Preto, pisei na mesma varanda de onde ele avistava sua musa inspiradora, lá na baixada, entre os casarões e vielas. Me senti literalmente em casa, degustei cada detalhe da história viva, sentei-me no mesmo jardim que tem a montanha aos fundos, local onde certamente a inspiração o consumiu para escrever seus poemas. Acusado de conspiração e preso em 1789, cumpriu pena de três anos na Fortaleza da Ilha das Cobras-RJ, tendo seus bens confiscados. Em 1792, sua pena foi comutada em degredo e, a pedido pessoal de Maria Isabel, o poeta foi enviado à costa oriental da África, para cumprir em Moçambique a pena de dez anos de exílio. No mesmo ano, foi lançada em Lisboa a primeira parte de “Marília de Dirceu”, com 33 liras. Novamente, a história busca a figura simbólica da maçonaria para justificar o lançamento da obra, uma vez que o autor estava em outro continente.
Caminhei novamente pelas ruas aqui mencionadas, agora não mais como simples transeunte, e sim como cidadão, ciente da grande contribuição destes ilustres personagens à liberdade da nação.
Fica a sugestão para as queridas professoras. Numa próxima aula sobre os inconfidentes, após os alunos tomarem posse do conhecimento histórico compartilhado em sala, que tal levá-los para caminhar por estas ruas e aproveitar o sol da manhã?

Ivan Evangelista Jr.
Membro da Comissão de Registros Históricos de Marília
Publicado no Jornal Diário de Marília, em 05/10/2014

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