domingo, 2 de novembro de 2014

A Rua Benedicto Nery de Barros e os patinhos da Dona Nilda



Tem ruas da cidade que já nasceram com a vocação para cartão postal. Seja por uma árvore com a copa mais bem formada, uma casa diferente, ou mesmo pelo conjunto da paisagem, estas ruas se tornam mais poéticas e prendem a nossa atenção, de tal forma que nos levam a outro estado mental, o estado receptivo, provocado pelo perceptivo diferenciado.
A Rua Benedicto Nery de Barros tem esta vantagem de ser uma rua cartão postal. Primeiro, pela sua condição geográfica privilegiada, de onde se tem uma bela vista da zona sul da cidade, não sem antes passar os olhos pelos imensos paredões dos Itambés. Depois, pela iniciativa dos seus moradores em transformar uma região sob risco de erosão e matagal em área de lazer.
Osmi Mioto
Tudo começou há oito anos e um dos personagens do enredo é o amigo Osmi Mioto. Foi um dos primeiros moradores da rua. A sua residência tinha varanda alta e dava vista para o imenso vale, limite entre as zonas oeste e norte da cidade. Osmi é um apaixonado por animais. No passado, quando visitei o local para fazer alguns registros fotográficos, ele estava passeando e brincando com sua cachorra “Belinha”, uma Border Collie, de cor preta, sapeca e levada da breca.
Foi naquele dia que ele me mostrou um projeto que estava nascendo. A ideia era transformar a grande área, que fica do outro lado da rua, em um bosque, uma reserva ambiental comunitária. Algumas espécies de árvores nobres já estavam plantadas, tinha também uma pequena roça de milho, pés de fruta e até uma horta de pepinos.
Era um sonho que começava e contava com a grande vantagem de ser um sonho coletivo. Seu Osvaldo, outro morador, ajudou Osmi a melhorar as condições da pequena nascente de água que brotava tímida em meio ao mato. Com alguns cuidados e em pouco tempo já havia uma represinha.
Passaram-se os anos. Retornei lá há poucos dias, para ver se as coisas continuaram conforme o previsto. O universo conspirou a meu favor e encontrei o amigo no local. Já tem mais de cinco anos que mora em outro bairro, mas dia sim, dia não, religiosamente, vai cuidar das benfeitorias que continuam sendo realizadas.
Com a ajuda e o incentivo da equipe da prefeitura municipal e de parceiros, o projeto já ganhou mais de 300 novas mudas de árvores frutíferas e nativas. A pequena nascente, agora, já é uma represa com bom espelho de água, onde alguns patos nadam tranquilamente.
Foi neste cenário que surgiu Dona Nilda Kobayashi, outra moradora. Trazia nas mãos uma pequena vasilha de plástico com restos de folha de alface e reciclados da pia da cozinha de sua casa. De longe, ela chamava os patos para vir ao seu encontro e distribuir os alimentos. É um ritual que segue todos os dias, e os animais, inclusive pássaros silvestres, já se acostumaram e ficam na espera. Hora da merenda.
A estudante de arquitetura Bianca Ferreira já construiu sua morada na área e está colaborando com os vizinhos na elaboração de um projeto que pretende instalar uma praça, tudo com orientação legal para não gerar impactos ambientais. O próximo passo é plantar grama no entorno da represa.
Outro entusiasta e morador de longa data é o Sr. Maércio Muller. Vendo a movimentação na área, se aproximou e deitou contar histórias. E olha que ainda não é praça, imaginem quando tiver bancos e sombra boa pra ficar debaixo... vai rolar muita prosa com os amigos.
Nascido nas encostas do bairro do Pombo, em 1933, Maércio diz que tem aquilo tudo nas veias. Diz que sonha em ver uma outra área, próxima, onde hoje só tem capim navalha e brejo, ser transformada em mais uma represa. Água tem à vontade.
Enquanto conversamos, Dona Nilda continuava cuidando dos patos. Osmi contou que estava faltando um deles. “Dias destes, neste mesmo horário de fim de tarde, chegou aqui na represa um pato selvagem, veio voando lá do vale. Uma das patinhas se engraçou com ele. Na certa, ele tinha muita história pra contar, afinal, era aventureiro de outras plagas. E foi assim que antes do sol se pôr, os dois alçaram voo, juntos, como se há muito tempo se conhecessem, e a gente, até hoje, fica esperando que ela volte.” 
O relato me fez lembrar trecho da música dos artistas Guilherme e Santiago: 

Distante do meu amor eu não posso ter alegria
Vou montar em meu cavalo e vou sumir na escuridão
Vou buscar minha morena, meu amor, minha paixão.
Vou selar o meu cavalo e calçar um par de esporas.
Peão que é peão não chora.
Quebra tudo por paixão.
Meu cavalo marchador sabe que pra tudo tem hora.
Hoje a morena vai embora na garupa do alazão.”
Benedicto Nery, que dá nome à rua, foi agricultor e proprietário da “Fazenda Todos os Santos”, casado com Maria José de Barros. Faleceu em abril de 1979.
 

Ivan Evangelista Jr. é membro da Comissão de Registros Históricos de Marília.

publicado no Jornal Diário de Marília, edição de 02/11/14         

 

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