segunda-feira, 17 de novembro de 2014

As Ruas Benjamim Constant e Chisato Hatada. Histórias que a vida costura


Escrever textos é algo muito parecido com explorar cavernas. Você sabe que tem a porta de entrada, mas não sabe ainda o que vai encontrar nos labirintos e câmaras que se formaram com a ação do próprio tempo e da água sobre a estrutura.
Tem sido assim na produção dos artigos, nos quais venho tentando explorar os segredos das ruas da nossa cidade, uma experiência incrível, geralmente, carregada de boas emoções e de histórias apaixonantes. E aconteceu de novo.
Rua Benjamim Constat
Decidi escrever sobre as ruas Benjamim Constant e Chisato Hatada, localizadas no bairro Fragata. A primeira, pela presença de uma pequena loja, quase na esquina com a Rua Abel Fragata, onde uma enorme primavera decora sua fachada. A segunda, pelo fato de que esta é uma das ruas "sem saída" existentes em Marília. O fundo faz divisa com a loja Mac’ Donalds.
Foi na Rua Benjamim que conheci o Francisco Diniz, mais conhecido pelos clientes como Diniz. A sua loja tem o criativo nome de Rebrincar - consertos e reparos de brinquedos. Pois é, numa época em que as relações e os objetos estão tão descartáveis, como é que alguém pode ter uma loja de reparos de brinquedos? E olha que não lhe faltam clientes, da cidade, da redondeza e de outros municípios bem mais distantes.
Diniz em sua loja
Ele veio de São José dos Campos, no ano de 2005, onde tinha uma oficina de construção de veículos para esportes radicais off road, também conhecidos por Gaiolas, e também era artesão, esculpindo peças em madeiras. A decisão de mudar-se para Marília foi em razão da estar mais próximo da mãe, Sra. Maria de Lourdes, de quem fala com muito carinho. Assim que foi possível, abriu as portas da nova loja, que até hoje conserva um misto de oficina artesanal, loja de reparos eletrônicos e de brinquedos.
Faz consertos em bonecas, carrinhos eletrônicos e helicópteros de controle remoto. Sobre uma das bancadas, um toca discos, daqueles bem antigos, esperando sua vez de entrar nos reparos. Diniz vive de bem com a vida e se mostra uma pessoa feliz.
Rua Chisato Hatada
E olha só como as histórias se cruzam na linha da vida. Foi na Rua Chisato Hatada que conheci a Simone, baiana de Salvador, igualmente feliz e de bem com a vida. Fisioterapeuta de formação, saiu da terra natal com destino ao Rio de Janeiro, onde fez o curso superior. De lá, seguiu para São Paulo. Ministrava aulas em Guarulhos, local onde conheceu Antonio, filho de um ilustre personagem mariliense, o Primo Alfaiate. Ele, professor de história, ela, contadora de histórias e professora.
No encontro com Simone, perguntei de onde veio esta inspiração de se tornar uma contadora de histórias, fez curso? A resposta me surpreendeu: - Fiz não! - E então, como foi que aconteceu de entrar neste mundo? - Eu penso que é uma missão!, disse. Simone faz parte da ONG "Viva e Deixe Viver" (www.vivaedeixeviver.org.br/), associação que forma voluntários para contar histórias para pacientes hospitalizados.
Detalhe. Simone e o marido também se mudaram para Marília para ficar mais próximos do pai dele, que estava com idade mais avançada e precisava de companhia. "Nossa decisão da mudança foi muito acertada, convivemos com ele durante quase três anos, intensos de emoção e de amor". De herança e de lembrança, daquilo que realmente tem valor na vida, Primo Alfaiate deixou para Simone duas máquinas de costura, que estão em local especial na residência, cobertas com toalhas de bordado e renda. Para ela, uma honra ter recebido o carinho do presente.
Simone, contadora de histórias
Casa simples, ambiente aconchegante. A sala de visitas foi adaptada para abrigar a alfaiataria. Hoje, o mesmo local é o consultório de fisioterapia. Um armário de madeira adorna a parede lateral. No passado, cortes de tecidos nobres e peças acabadas se acomodavam nas divisórias, esperando a entrega aos clientes. Virou estante de livros, com inúmeros títulos organizados lado a lado. Por sinal, o que mais tem na casa, além do ar de alto astral, são livros, em vários móveis.
Convidado a conhecer o ambiente, notei a presença forte e marcante de fotos de família, muitas fotos, sobre móveis e penduradas em paredes. Aqui e ali, o Primo Alfaiate, com os filhos, com os netos, com a nora, e também sorrisos, muitos sorrisos. Casa de gente feliz tem cheiro de felicidade no ar.
Primo alfaiate com os netos
Sobre a estante comentada acima, um vidro enorme, de boca larga, e cheio de botões. Olhei para o objeto e me pareceu que o velho alfaiate estava ali, zelando pela harmonia do ambiente e pelos netos, que enchem os espaços com algazarra, peraltices e dengo, comuns da tenra idade.
E foi neste clima que a minha pesquisa se completou. Duas ruas e duas histórias de vida em que pessoas abriram mãos de sonhos e projetos em andamento, para estarem mais próximas de quem amam. Em nenhum momento senti um fio sequer de arrependimento, pelo contrário, uma sensação de bem-estar e de bem viver emana de suas almas naturalmente.

Chisato Hatada - Nasceu no Japão em 28/10/1923,chegou em Marília em 1948. Montou a firma Irmãos Hatada, mais tarde transformada em Perfilados Marília Ltda.
Publicado no Jornal Diário de Marília, em 15/11/2014           

Nenhum comentário:

Postar um comentário