segunda-feira, 9 de março de 2015

Semiótica da urbanidade

Pesquisando uma boa definição para o que chamamos de cidade, encontrei esta aqui: “meio geográfico e social caracterizado por uma forte concentração populacional que cria uma rede orgânica de troca de serviços administrativos, comerciais, profissionais, educacionais e culturais”. Pois bem, esta questão da rede orgânica é o que me cativa, que me instiga a escrever e, cada vez mais, a observar e a buscar entender as transformações.  
É nato do ser humano dizer que pertence a um grupo, a uma tribo. Creio que é inerente à necessidade de inclusão social que todos nós carregamos em nosso DNA. Diz a história que ninguém nasceu para viver sozinho; mais cedo, ou mais tarde, a aproximação de outro ser acontece, ainda que a primeira experiência seja com um cachorro ou outro bicho de estimação.
Como organismo, a cidade tem seus tempos e fluxos, ainda que não formalmente estabelecidos, porém, com uma intensidade que parece seguir um roteiro previamente traçado. Outro ponto que estimula estas incursões mentais é ver que o ontem e o hoje convivem em harmonia no mesmo espaço, ainda que muitas vezes de forma disfarçada.
Se há alguma dúvida quanto a isto, é só procurar ver o que está por de trás das grandes telas coloridas que enfeitam as lojas e escritórios. Na maioria dos casos, as fachadas são originais, sendo que muitas guardam letreiros de atividades comerciais que existiram nos primeiros tempos da história. Fiz um tour pelo centro comercial e, neste exercício fotográfico, tirei a linha dos olhos da horizontalidade cotidiana. É impressionante o que se descobre quando desdobramos a visão buscando ângulos diferentes.
Soberano em épocas passadas, o anúncio do tradicional “Café Propheta” pode ser visto na face oeste de prédio histórico na Avenida Sampaio Vidal com a Rua Nove de Julho, disputando espaço e atenção com as modernas operadoras de serviços de telefonia e Internet.  Na mesma Nove de Julho, dirigindo o veículo, ou caminhando, no sentido centro-bairro, uma das boas vistas que temos são as torres e os vitrais da Matriz de Santo Antônio. Mas, com o passar dos anos, entrou um outro elemento geométrico na paisagem, um enorme carretel de linha, o que gerou uma espécie de tela modernista quando se congela a paisagem.
Este exercício fotográfico me proporcionou uma releitura urbana pela semiótica, a ciência geral dos signos que estuda os fenômenos de significação, onde velhas e novas fachadas, letreiros e ornamentos, cortes e recortes, constroem uma via de interpretação visual que transcende à plasticidade dos cenários. 
Um edifício é uma solução urbana que contempla a moradia de várias pessoas, ou de escritórios funcionais, em um conjunto de pequenos ou grandes espaços organizados na forma vertical. Porém, não é errado dizer que ali está uma pilha de pessoas, gente amontoada em cima de gente, separadas por lajes e paredes, fazendo coisas diferentes para pessoas diferentes. 
E isto já me leva a comentar uma outra modernidade esquisita, que é a possibilidade de comprar o espaço aéreo vizinho. Um dos recursos de marketing na venda de torres comerciais ou residenciais é o apelo sensorial e emocional para a “boa vista” que o comprador terá a partir da sua janela ou sacada. Ora, se uma nova construção for erguida e tirar esta “paisagem paradisíaca”, a razão sensorial da compra deixa de existir. Alguns prédios da área central de Marília já perderam parte da vista privilegiada dos vales e itambés, assim como perderam a brisa fresca que acompanha ou anuncia a chuva. Qual o valor tangível, ou o intangível, desta sensação para os habitantes ali empilhados?
Em outro momento, pelo recorte da lente, podemos nos transportar momentaneamente para terras distantes e místicas. A simbologia arquitetônica tem muito disso e, de forma quase que automática, aciona recursos lúdicos mentais que se ancoram em experiências e na memória visual que guardamos de locais visitados.
Em vários pontos da cidade, é possível encontrar sinalização que previne os transeuntes sobre o cruzamento de via férrea. Se o aviso do cruzamento soa estranho na atualidade, pois este tipo de transporte há muito deixou de existir, a placa anexa - “Pare, Olhe e Escute” - é mais atual do que imaginamos ser. Explico o porquê.
Se queremos realmente conhecer o meio em que vivemos, é preciso utilizar os sentidos de que dispomos para captar as informações que jorram aos montes. Para interpretar a cidade, é muito importante saber ouvir os seus sons, saber olhar a sua performance geométrica e assimétrica, saber aspirar e expirar seus aromas e fedores, conhecer e entender seus personagens mais comuns e os anônimos.
É neste sentido que compartilho estas crônicas, as quais me são uma ferramenta de aprendizado constante.  

Publicado no Jornal Diário de Marília em 08/03/2015

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